quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A Origem da Vida: Outros Modelos do Universo


Além da popular hipótese do Universo em expansão, embasada por resultados experimentais, há outras visões que tentam preencher algumas lacunas ainda não inteiramente explicadas. De forma resumida, esses modelos alternativos compreendem: (a) O Universo está em expansão, mas sem que tenha havido uma explosão inicial; (b) o Universo é estático; (c) o Universo tal e qual o conhecemos é eterno, sempre existiu, nunca teve um início e nunca terá um fim. Essa hipótese tem a virtude de eliminar o problema da singularidade. O Universo eterno encontra-se em expansão e possivelmente um dia se contrairá, o que será repetido infinitas vezes – se por um lado essa hipótese elimina a singularidade, por outro suscita indagações pertinentes à eternidade de um sistema; (d) o Universo estaria localizado dentro de um buraco negro; (e) o Universo que percebemos é apenas uma interseção entre outras dimensões e as quatro que conhecemos; e (f) o modelo do Universo é explicado pelas “supercordas”. Esse modelo, bastante complexo quando analisado em detalhes, representa uma tentativa de generalizar toda a física de forma a conter em seu bojo as singularidades que tanto perturbam os cosmólogos quando tratam de dimensões infinitas como as do Universo. Na teoria das cordas, uma unidade estrutural-energética consistiria em uma alça de corda, com uma dimensão equivalente ao comprimento de Planck, que é cerca de 10²0 vezes menor que o núcleo de um átomo. Essa unidade poderia vibrar de várias formas diferentes o que refletiria, então, as propriedades que observamos nos diversos elementos. Desse modo, os elementos, estáveis ou não, resultariam de cordas que vibram de maneira característica. Uma analogia usada por Brian Greene em seu livro ‘O universo elegante’ recorre à linguística para explicar as supercordas. Parágrafos são feitos de sentenças, as sentenças são compostas por palavras e as palavras por letras. O que seria então as letras? Para a teoria das supercordas, as letras seriam o equivalente a uma corda. Elaborar um modelo que pudesse generalizar a física foi o grande sonho frustrado de Einstein que dedicou grande parte de sua carreira à busca da teoria do campo unificado.

Além das hipóteses sérias até aqui descritas, existem algumas outras propostas mais exóticas. Por exemplo, a do Universo que continuamente se destrói e se recria, como se fosse uma gigantesca cobra realizando o milagre topológico de consumir-se e de gerar novas partes ao mesmo tempo.

Apesar de toda a polêmica vigente a respeito da origem do Universo, para nossa discussão subsequente sobre a vida basta que os leitores tenham compreendido como pensa a maior parte dos cosmólogos e como as evidências experimentais foram obtidas. As outras hipóteses, embora potencialmente corretas, não serão necessárias para os argumentos que serão desenvolvidos em breve.





1. Introdução
1.1 Como a Vida Surgiu e Como Evoluiu
2. A Origem da Vida
2.1 Monismo e Dualismo
2.2 O Universo
2.3 O Universo em Expansão




Fonte: Readaptação de AB INITIO de Franklin David Rumjanek

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Origem da Vida: O Universo em Expansão




O universo começou com um evento que pode ser comparado a uma explosão e que ocorreu num determinado ponto. A explosão (nem sempre a ideia de uma explosão agrada aos físicos, mas por falta de uma descrição melhor, usaremos esse termo aqui) e a matéria que foi criada logo em seguida foram chamadas de uma singularidade. Isso porque não há ainda uma explicação física muito convincente para a criação de matéria a partir do nada. Toda a energia que existe ou que existirá no Universo inteiro foi liberada nesse instante. [Esse parágrafo pode conter algumas pérolas físicas]

No momento em que o Universo foi formado, a temperatura era tão alta que nem mesmo os átomos poderiam existir. Somente partículas subatômicas, como elétrons, prontos e nêutrons. Quando a temperatura abaixou o bastante, o que provavelmente ocorreu três minutos após a grande explosão, houve então a nucleossíntese, isto é, a associação entre prótons e nêutrons, formando os núcleos atômicos. A partir desse evento, o Universo se expandiu até atingir as dimensões que percebemos hoje em dia. Sabe-se que o Universo continua a se expandir em virtude dessa explosão inicial.

Quando isso aconteceu? Estima-se que há aproximadamente 15 bilhões de anos, com base em medidas físicas. É importante notar que no início do Universo, o próprio tempo e o espaço foram também criados. Assim, não há sentido em dividir a história do Universo em antes e depois de sua origem. Embora tenhamos a impressão de que as noções de tempo e de espaço estejam bem solidificadas em nossa mente, é preciso considerar que estas dimensões apenas têm significado num mundo material e dinâmico como o nosso. Mesmo assim, a própria definição de tempo não é trivial. Como exercício, tente explicar o que é o tempo sem recorrer à expressão “tempo”.

Em resumo, é possível imaginar que se não havia nada antes do início do Universo, o tempo e o espaço não possuíam significado algum. Em outras palavras, nessa singularidade (aquela exceção da física já mencionada) que representa o momento longo antes da criação, o espaço euclidiano conforme concebemos não pode ser representado, o mesmo valendo para o tempo. Se nada havia ocorrido, a noção de tempo perde seu valor paramétrico. Em consequência, não cabe a pergunta típica sobre a origem do Universo: “O que havia antes do Universo existir?” Se o tempo e o espaço não existiam, essa pergunte não tem significado óbvio. Indagações sobre a suposta eternidade do Universo também não são fáceis de responder pelas mesmas razões.

De onde surgiu essa ideia do Universo inflacionário? Antes de entrarmos nesse tópico, é preciso explicar o que se entende por “desvio para o vermelho”, pois esse conhecimento foi fundamental para a elaboração da hipótese do Universo em expansão. Assim, abriremos um breve parêntese com a finalidade de explicar melhor esse conceito e aproveitar para ilustrar também como uma hipótese é elaborada a partir de dados experimentais.

O desvio para o vermelho se apóia no efeito Doppler, o mesmo que é usado na construção dos aparelhos que nas ruas medem as velocidades dos automóveis (os pardais). Em essência, o efeito Doppler é causado por ondas, sejam elas ondas na água, ondas sonoras ou ondas de luz. Para ilustrar o efeito Doppler, imagine que você esteja imóvel num local e que uma ambulância esteja parada na sua frente com a sirene ligada. O som que você ouvirá será constante. No entanto, se a ambulância se mover em sua direção, você perceberá que o som da sirene se tornará cada vez mais agudo (e alto também). Se, ao contrário, a ambulância se afastar de você, o som adquirirá um tom mais grave. Percebemos a mesma coisa numa corrida de carros. Quando os carros se aproximam, o som fica mais agudo, e quando passam, o som fica mais grave. Aviões se comportam do mesmo jeito. Em todos os casos, o som é comunicado aos seus ouvidos por meio de ondas. É importante não confundir som agudo ou grave com som alto e baixo, isto é, com um som que varia somente em sua amplitude.

Outro exemplo: se você estiver num barco que se move em direção à fonte das ondas, ele balançará mais frequentemente enquanto estiver nesse sentido, indo de encontro às ondas. Se o barco se afasta da fonte das ondas, os balanços do barco serão menos freqüentes, causados pelo aumento da distância entre as cristas das ondas.

A mesma situação acontece com a luz, a faixa visível do espectro eletromagnético. Só que, nesse caso, a variação no comprimento de onda reflete-se na cor da luz que é percebida pelo observador. Imagine que você esteja imóvel e que um objeto que emite luz esteja se aproximando. De forma análoga ao som, a luz percebida por você desvia-se para a parte do espectro visível que possui um comprimento de onda mais curto (a distância entre os picos das ondas). Como o comprimento de onda da luz visível é mais curto na região da cor azul, você observará nesse objeto que se aproxima um desvio para a região do espectro azul. No caso do objeto estar se afastando, o comprimento de onda aumentará e você perceberá um desvio para a parte do espectro luminoso que apresenta comprimentos de onda maiores, ou seja, a região do vermelho.

É claro que você só perceberá o desvio, tanto para o azul como para o vermelho, se estiver munido de um telescópio acoplado a um espectrômetro, ou espectrógrafo. Esse espectrógrafo, longe de ser um aparelho complicado, pode ser qualquer dispositivo que produza a difração, ou a decomposição da luz. Por exemplo, um prisma, ou qualquer dispositivo que tenha raias muito próximas umas das outras, como um disco compacto (CD), ou um orifício num anteparo que provoque uma interferência das frentes de onda de luz, criando, assim, regiões de maior ou menor intensidade.

Para situarmos melhor nosso problema, imagine que os espectros de luz emitidos por uma mesma estrela foram observados em dois momentos diferentes, com um intervalo de seis meses entre cada um. As linhas que compõem os vários comprimentos de onda da luz emitida pela estrela após 6 meses estarão ligeiramente desviadas para a “região do vermelho” do espectro, ou seja, as linhas do espectro apresentam um comprimento maior que na primeira medida. Desse modo, usando o mesmo raciocínio acima, podemos concluir que essa estrela está se afastando do observador. Um resultado semelhante é observado quando se compara espectros obtidos de estrelas que se encontram progressivamente mais afastadas da Terra. Isso significa que uma estrela mais distante da Terra exibirá um desvio para o vermelho mais acentuado do que quando seu espectro for comparado com aquele de uma estrela mais próxima. Tal resultado é mostrado na figura a seguir.

As linhas espectrais das galáxias mais distantes se desviam para a “região do vermelho” do espectro visível em comparação com o espectro solar.


Entre 1910 e 1920, o astrônomo Vesto Slipher conseguiu obter o espectro de muitas nebulosas extragalácticas – situadas além da Via Láctea, a nossa galáxia. Os resultados mostraram que a maioria desses objetos exibia o desvio para o vermelho, sendo que uma exceção notável era a galáxia Andrômeda. Slipher chegou à surpreendente conclusão de que não importava para onde se apontasse um telescópio, o resultado era o mesmo. Aparentemente, a maioria das estrelas e galáxias estava se afastando da Terra. Em 1922, o meteorologista e matemático russo Alexander Friedmann descobriu que, devido a uma opção de Albert Einstein de usar uma determinada constante física, o que foi interpretado por muitos como um erro de matemática elementar, o Universo poderia se encontrar, ao invés de estático, em expansão. O suposto erro de Einstein talvez tenha refletido sua crença de que o Universo era imutável. Na sua equação, a constante cosmológica assumia o valor de 1, o que, segundo ele, mantinha tudo parado. Mias tarde, Einstein admitiu que seu cálculo estava equivocado, o que abriu as portas para outras interpretações, incluindo a validação daquela de Friedmann, que propunha uma constante cosmológica maior que 1, compatível, portanto, com a expansão do Universo.

Independentemente, em 1927, o cosmólogo belga Georges Lemaître chegou à mesma conclusão que Friedmann sobre a expansão do Universo. Porém, a ambos, Friedmann e Lemaître, faltava uma medida mais precisa. Foi então que Edwin Powell Hubble (1889 – 1953), astrônomo e cosmólogo norte-americano, entrou em cena. Curiosamente, antes de aderir à astronomia, Hubble considerou seguir a carreira de desportista, como pugilista. Depois se voltou para o Direito. Após um breve período como advogado, Hubble finalmente encontrou sua verdadeira vocação. Conseguiu medir as distâncias entre a Terra e as estrelas e galáxias. Juntamente com os dados obtidos por Slipher, Hubble derivou então uma equação agora conhecida como a Lei de Hubble. Essa equação permitiu o cálculo das distâncias e da velocidade de recessão (afastamento) dos objetos observados. Hubble demonstrou empiricamente que havia uma correlação direta entre a velocidade dos objetos observados e sua distância. Em outras palavras, Hubble propunha com sua equação que, quanto mais distantes as galáxias, maiores eram as suas velocidades. Curiosamente, Hubble nunca aceitou inteiramente que esse aumento linear de velocidade fosse uma evidência de que o Universo estivesse sofrendo um processo de expansão. Antes dos anos 1920, quase todos, incluindo Einstein, acreditavam que o Universo era estático e que tinha como centro a Via Láctea. A partir da publicação dos resultados de Hubble, nos anos 1930, assumiu-se que suas observações podiam ser generalizadas para qualquer ponto de observação do Universo, o chamado princípio isotrópico. De acordo com o princípio isotópico, a Terra ou qualquer outro corpo no Cosmos pode ser considerado o centro do Universo. Um experimento simples explica melhor o princípio isotrópico; tome uma transparência e desenhe nela vários pontos para representar as galáxias. Em seguida, faça uma cópia da transparência, só que com 25% ou mais de aumento. Essa cópia representaria a expansão. Ao sobrepor qualquer ponto da transparência original àquela de transparência aumentada, veremos que a expansão poderá ser apreciada em igual magnitude de qualquer ponto da transparência, ou, por extrapolação, do “Universo”.

Com essas observações iniciais, havia uma forte sugestão de que verdadeiramente o Universo inteiro estava se expandindo. Ademais, ainda de acordo com as medições de Hubble, as galáxias mais distantes eram as que exibiam as maiores velocidades. Os dados de Hubble permitiam também uma análise de regressão, na qual ao percorrermos o caminho inverso da expansão, chegaríamos a um ponto infinitesimal de enorme densidade que teria sido o ponto inicial da formação do Universo.

Sabe-se hoje, entretanto, que a constante calculada por Hubble estava subestimada, principalmente porque as medidas que podiam ser realizadas então deveram-se, sobretudo, às limitações experimentais. Atualmente, com poderosos instrumentos de medida, como o telescópio orbital Hubble, determinou-se as distâncias de galáxias bem mais afastadas do que aqueles que serviram para os cálculos iniciais de Hubble, de maneira que a própria curva que relaciona as distâncias às velocidades de recessão é hoje em dia muito mais precisa.

Em 1950, o astrônomo Fred Hoyle, um ardente defensor do Universo estacionário, comentou jocosamente a ideia do Universo em expansão num programa de rádio, mencionando que ela teria resultado do Big Bang, isto é, da grande explosão inicial. A expressão pejorativa de Hoyle pegou e daí em diante o Big Bang passou a fazer parte das discussões sobre a expansão do Universo.

A ideia do Big Bang, mesmo antes da ironia de Fred Hoyle, já havia arrebanhado um adepto. George Gamow, um físico russo naturalizado norte-americano que abordou o problema do Universo de outra forma. Ele imaginou que se o Universo tivesse sido criado com uma liberação de energia inicial muito grande, mesmo nos dias atuais, ainda seria possível detectar resíduos, ou seja, mesmo depois de 15 bilhões de anos, o Universo ainda não estaria completamente frio. Segundo os cálculos de Gamow, essa temperatura do Universo deveria estar ao redor de 5° Kelvin (equivalente a -268° C). Um valor aproximado, ou seja, de 3° Kelvin (na verdade, 2,7° K) foi encontrado por meio da medida de ondas de rádio, feitas pelos radioastrônomos Arno Penzias e Robert Wilson. Em 1963, esses dois pesquisadores realizavam observações usando um radiotelescópio e notaram que havia sempre um ruído de fundo que atrapalhava as medidas. Na tentativa de descobrir qual era a fonte desse ruído de fundo (ondas de rádio), eles chegaram à conclusão de que não importava para onde eles apontassem o radiotelescópio, lá estava a interferência. Tendo eliminado todas as possibilidades de fontes dessa radiação, incluindo excrementos de pássaros, Penzias e Wilson propuseram, tal e qual Gamow, que esta radiação de fundo encontrada no Universo seria o que restou do grande evento primordial, o Big Bang. Assim, com duas estratégias diferentes, os dados apontavam para um turbulento início do Universo. Mesmo que venha a se desenvolver um telescópio mais poderoso que o Hubble, teoricamente não será possível jamais registrar a luz gerada no momento da criação do Universo. Isso porque os cosmólogos acreditam que, logo após o Big Bang, a alta temperatura daquele momento criou o estado físico de plasma opaco à luz. Esse plasma estabeleceria então um horizonte invisível para os instrumentos que dependem de luz para suas observações.

A ideia de que o Universo se encontra em expansão não elimina a possibilidade de que esse processo possa vir a ser revertido algum dia. Mesmo com as galáxias afastando-se umas das outras com velocidades próximas à da luz, a força gravitacional entre elas ainda se faz sentir, mesmo que de maneira tênue. Em consequência, quando algum dia [se] prevalecer a força da gravidade, as galáxias passarão a aproximar-se umas das outras e, num dado momento, em vez do Big Bang, teremos o “Big Crunch”, ou seja, o grande amálgama. Há cosmólogos que propõem que a história do Universo é composta de ciclos infinitos de expansão e de contração, isto é, “Big Crunches” seguidos de Big Bangs. No entanto, é importante enfatizar que não há unanimidade entre os cosmólogos a respeito do “Big Crunch”.





1. Introdução
1.1 Como a Vida Surgiu e Como Evoluiu
2. A Origem da Vida
2.1 Monismo e Dualismo
2.2 O Universo




Fonte: Readaptação de AB INITIO de Franklin David Rumjanek

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A Origem da Vida: O Universo


A origem do Universo ainda está cercada por polêmica e controvérsia porque é uma questão cuja complexidade talvez supere aquela da origem da vida. Isso acontece porque as hipóteses sobre a origem da vida podem recorrer a modelos químicos plausíveis. Já os astrofísicos têm necessariamente que apelar para uma física desconhecida, pela de condições especiais e heterodoxas. É claro que essa é uma física desconhecida em comparação àquela que foi estabelecida após o momento inicial do Universo. Poderíamos afirmar que, antes do início, não havia física alguma. Os próprios físicos sentem dificuldade em compreender algumas das hipóteses lançadas mais recentemente. Nossa discussão sobre a origem do Universo não pretende esgotar todas essas proposições, apenas concentrar-se nos modelos mais hegemônicos, como o do Universo em expansão. Dentro desse tópico, procuraremos abordar de modo mais específico aqueles aspectos diretamente ligados à formação das estrelas e planetas e à origem do elemento carbono, que, em última análise, determinou a química dos seres vivos.

Para que a diferença entre a interpretação dualista e a monista fique clara, apresentaremos antes algumas versões dualistas para a origem do Universo. Segundo a visão dualista, num dado momento, o Universo, inclusive a Terra, foi criado por uma ou por múltiplas entidades divinas. As principais doutrinas de várias culturas do mundo apresentam versões que variam entre si, mas fundamentalmente descrevem o surgimento da Terra e do Universo como uma manifestação sobrenatural, ou melhor, uma manifestação que transcende nosso conhecimento atual. Há também, como veremos adiante, alguns pontos em comum.

Segundo os egípcios, Ra ou Re, deu à luz si mesmo. De sua saliva nasceram Shu, o ar, e Tefnut, a umidade. Shu e Tefnut geraram Geb, o deus da Terra, e Nut, a deusa dos céus. Os seres humanos vieram das lágrimas de Re e assim por diante.

O mito sérvio da criação afirmava que no começo não havia nada a não ser Deus, que dormia e sonhava durante muitas eras. Quando finalmente Deus despertou, cada um de seus olhares transformou-se numa estrela. Deus gostou do que viu e dispôs-se a viajar, mas aonde quer que chegasse não percebia um fim ou um limite. Quando, enfim, chegou à Terra, estava cansado e o suor de sua testa caiu no chão e deu origem à vida.

Já o mito chinês narra a criação da seguinte forma: no começo dos tempos, tudo era caos e o caos apresentava a forma de um ovo de galinha. Dentro do ovo estavam Ying e Yang, que eram a escuridão e a luz, o feminino e o masculino, o frio e o calor e o seco e o molhado. Essas forças opostas acabaram quebrando o ovo. Os elementos mais pesados desceram e formaram a Terra e os mais leves flutuaram e formaram os céus.

Talvez um dos mitos mais interessantes seja o dos aborígines da Austrália, que descreve o começo da Terra como uma planície nua, onde tudo era escuro. Não havia vida nem morte. O Sol, a Lua e as estrelas dormiam embaixo da Terra. Os ancestrais assumiam várias formas enquanto vagavam pela Terra. Às vezes, eram só animais, às vezes eram quimeras entre humanos e plantas. Dois desses ancestrais autocriados a partir do nada eram os Ungambikula, que, em suas excursões, encontraram pessoas feitas pela metade. Essas pessoas não passavam de montes disformes, sem membros ou rostos, e estavam jogados e amontoados perto de poços de água e lagos salgados. Os Ungambikula passaram então a esculpir nesses montes, cabeças, corpos, pernas e braços, até que finalmente os seres humanos foram terminados. Cada homem ou mulher foi feito a partir de uma planta ou animal e, assim, cada pessoa deve fidelidade ao totem do animal ou planta do qual foram feitos. Depois que terminaram seu trabalho, os ancestrais voltaram a dormir. Ao voltarem para suas casas subterrâneas, deixaram traços de sua presença em rochedos, poços ou árvores. Sem muito esforço veremos que essa versão aborígine é extremamente atual, uma vez que hoje se considera que as espécies existentes e as extintas são verdadeiras quimeras de nossos ancestrais, isto é, todas as espécies possuem um vínculo familiar entre si e com o ancestral universal.

Há muitos outros mitos, mas bastam os aqui mencionados para se perceber eu existem características comuns entre eles. Quase todos narram um estado inicial em que não havia nada. Como resultado de um capricho divino passou a existir matéria. Nesse particular, tirando-se o capricho divino, não há muita diferença entre os mitos e alguns modelos monistas.

Outro ponto em comum é o ambiente em que os humanos viveram e que, naturalmente, condicionou o cenário da narrativa da criação. Por exemplo, para os nórdicos da Islândia, o cenário da criação contém gelo, lava, fontes termais etc. Para os egípcios, a fonte de tudo estava claramente no firmamento, e para os aborígines, a criação se deu num cenário típico de certas regiões da Austrália e assim sucessivamente. Outra influência notável é o antropomorfismo, ou seja, as divindades exibem comportamentos, forma e pensamentos característicos do ser humano. Isso é extensivo ao cristianismo, ao islamismo e ao judaísmo. Em conclusão os mitos e as religiões parecem ser criações humanas. Nesse sentido, a própria ciência também se encaixa na categoria das invenções humanas.

É importante ressaltar também que, em quase todos os mitos, a água e a energia sob uma forma ou outra estão sempre presentes, o que, conforme veremos mais tarde, está de acordo com muitas hipóteses monistas sobre a origem da vida. O mesmo acontece com o problema da falta de organização, pois em muitos mitos o início é invariavelmente descrito como um estado caótico.

No caso dos aborígenes, essa percepção aguçada da natureza chega até conceitos evolucionistas, que claramente sugerem uma trajetória bastante contemporânea sobre a origem das espécies. Os próprios aborígenes podem também ser considerados como precursores da paleontologia, pois ao narrar que os ancestrais sagrados deixaram traços de sua presença nos rochedos, poços e árvores, certamente reconheciam os fósseis como vestígios do passado.

Para os monistas, o Universo tanto pode ter sido criado num dado momento, como pode ter sempre existido. Nesse particular, dualistas e monistas não divergem muito no que diz respeito aos aspectos essenciais dessa discussão. No entanto, os materialistas tentam explicar o surgimento do Universo somente por meio de forças físicas, mesmo que, devido à nossa ignorância, essas forças divirjam um pouco da física nossa de cada dia. Veremos depois quais são as origens das explicações sobre o Universo em expansão e o Universo eterno.




1. Introdução
1.1 Como a Vida Surgiu e Como Evoluiu
2. A Origem da Vida
2.1 Monismo e Dualismo




Fonte: Readaptação de AB INITIO de Franklin David Rumjanek

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A Origem da Vida: Monismo e Dualismo


Existem duas correntes filosóficas principais para inquirir sobre a vida. O dualismo e o monismo. Entenda-se por dualismo a atribuição de duas características importantes à matéria viva. A matéria propriamente dita e o espírito, a alma, a força vitalista, ou o que quer que defina a fração imaterial e invisível que comporia o ser vivo. Segundo essa visão, não basta que tenhamos um sistema organizado, no qual as reações químicas que constituem o metabolismo celular encarreguem-se de prover energia para os processos vitais, além de interagir com o meio ambiente. Na visão dualista, há também algo mais, que promove e controla todas as manifestações do ser vivo e que, de certa maneira, lhe dá uma direção, um propósito. Somente quando o ser morre, o corpo se torna exclusivamente matéria. Porém, após a morte, a alma ingressaria então em um plano sobrenatural, cuja estrutura vara de acordo com as diversas crenças que interpretam a vida dualista. Em algumas, o espírito passaria a habitar uma região perfeita e justa, livre dos problemas do plano material. Em outras, o espírito seria reciclado e voltaria a “animar” um organismo, semelhante ou não, àquele que morreu.

De forma geral, o dualismo também implica que tanto o Universo como todas as forças de vida tenham sido criadas por um demiurgo, uma entidade divina, ou um princípio organizador que transformou o caos do Universo em compartimentos organizados e com propriedades distintas. A um desses sistemas denominamos vida. Assim, é comum associar ao dualismo o conceito do criacionismo, que nada mais é do que um ato ou evento no qual a matéria é criada a partir do nada.

Já o monismo interpreta a natureza estritamente do ponto de vista da física, da matéria, sem a intervenção de um componente espiritual. No monismo, ou materialismo, tudo que observamos ao nosso redor, direta ou indiretamente, é produto de interações físico-químicas. Esse cenário também inclui a vida. Isso não quer dizer que a filosofia monista tem explicações para tudo. Muito pelo contrário. Conforme já foi aludido, poucos são os fenômenos entendidos em toda sua extensão. No entanto, a diferença mas perceptível entre o dualismo e o monismo é que este último generaliza certos princípios utilizados para se estudar um determinado fenômeno, os quais necessariamente seguem os ditames do método científico. Em outras palavras, os modelos materialistas da natureza devem ser formulados com base em medidas sistemáticas e lógicas que idealmente permitam prever com um determinado sistema irá se comportar sob certas condições. A noção e o uso do método científico ficarão mais claros em nossas discussões subseqüentes.

Como consequência da forte aliança entre o monismo e o método científico, a visão materialista da natureza evita sempre que possível apelar para o criacionismo como uma explicação razoável tanto para a vida como para a própria matéria. O materialismo procura usar o conhecimento disponível para propor hipóteses que expliquem de maneira razoável as observações feitas pelos filósofos e cientistas. Foi desse modo que as ideias evolucionistas substituíram o criacionismo. No entanto, ainda há dificuldades. Veremos que, logo de início, a própria cosmologia, em uma de suas versões para a origem do Universo, de certa maneira apela para o criacionismo. Mas não é exatamente o criacionismo das doutrinas religiosas. Esse que entre os cosmólogos recebe o nome de “singularidade” é simplesmente um dispositivo, um recurso inventado pelos cientistas, que apela para um arquivo ainda vazio da física. Os físicos esperam que num dado momento essa explicação apareça de maneira mais convincente. O advento de uma nova física, ou um adendo à física contemporânea será importante para eliminar a possível ambiguidade entre o criacionismo dualista e o evolucionismo no contexto da discussão da origem da vida. De qualquer modo, todos os argumentos encontrados nessa temporada do blog foram construídos com base no método científico, ou seja, são modelos que lançam mão exclusivamente das pistas mencionadas.





1. Introdução
1.1 Como a Vida Surgiu e Como Evoluiu




Fonte: AB INITIO de Franklin David Rumjanek

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Introdução: Como a Vida Surgiu e Como Evoluiu


Como surgiu a vida no planeta Terra? Essa é, sem dúvida, a mãe de todas as perguntas. A pergunta em si é simples, mas a resposta não é trivial. Ou melhor, é ainda incompleta. Pode parecer temerário escrever uma temporada do blog a respeito de um tema sobre o qual há poucos fatos estabelecidos, mas esse tópico é central a nossa existência e já vem ocupando a mente dos filósofos e pesquisadores de diversas áreas há muito tempo. É um tema recorrente, que não pode ser ignorado, principalmente, em um momento no qual cresce o interesse pelo misticismo e por descrições de origem da vida sem um maior comprometimento com o método científico.

Apesar de algumas evidências, na sua essência, a história da vida constitui ainda um objeto predominantemente especulativo. Por isso mesmo, a discussão sobre esse tópico acomoda um grande conjuntos de argumentos, desde os mais conservadores até aqueles mais metafísicos. Essa temporada tratará apenas da versão materialista para a origem da vida.

Há outras perguntas decorrentes da primeira cujas respostas são igualmente difíceis: existe vida em outros planetas? A vida fora da Terra é semelhante à nossa? Evoluiu do mesmo modo? Dadas condições favoráveis, o aparecimento da vida é inevitável? E assim por diante.

Assim com o qualquer grande mistério que se preze, é preciso contar com algumas pistas. Como em um conto policial tradicional, no início parecem não fazer muito sentido, mas graças à sagacidade dos detetives, passam aos poucos a encaixar-se num esquema geral, que culmina em uma solução dramática. É assim também com a natureza, que periodicamente revela algumas pistas que se tornam objeto de estudo minucioso pelos cientistas. Os pesquisadores se agarram a essas migalhas com uma tenacidade admirável e daí extraem o máximo de informação possível. Mias adiante, conseguem juntar todos os indícios disponíveis e elaboram um modelo geral, mas diferentemente dos romances policiais não desvendam todo o problema. Como veremos depois, esses modelos estão ainda restritos ao campo das hipóteses. Faltam as provas conclusivas, que talvez nunca apareçam. E, desse modo, a discussão vai prosseguir até a chegada de uma nova leva de dados, ou de propostas mais imaginativas que, juntando-se ao conhecimento já existente, completarão mais algumas peças desse enorme quebra-cabeça.

Mesmo que a solução ainda não esteja iminente, já temos alguns pontos de partida que têm sido foco de intermináveis e fascinantes discussões. Estas serão narradas nas continuações. A graça talvez esteja aí mesmo, nas próprias discussões. Se o grande mistério da vida já estivesse resolvido e arquivado, com certeza estaríamos correndo atrás de outro enigma também instigante, pois a mente humana criativa precisa desse exercício dialético. Enfim, essa temporada do blog começa com as pistas existentes e depois apresenta as interpretações vigentes mais plausíveis. Como a tecnologia disponível sofistica-se cada vez mais, é bem possível que com a criatividade da mente humana a solução do enigma apareça em breve. Por exemplo, os resultados de investigações recentes realizadas por sondas no planeta Marte sugerem fortemente a presença de água sob a superfície da calota polar. O gás metano também foi há pouco tempo detectado naquele planeta. Sabemos que se a vida extraterrestre for parecida com a nossa, a água é um pré-requisito. No caso do metano, este seria um indício de vida atual ou passada. Quem sabe daqui a pouco teremos evidências de fósseis em Marte? Nesse contexto, já estão planejadas missões àquele planeta com o objetivo de investigar se os microfósseis que porventura serão encontrados contêm DNA, ou moléculas parecidas. Indo mais longe ainda, o projeto SETI (sigla em inglês do projeto Busca de Vida Inteligente Extraterrestre) está examinando, por meio de radiotelescópios potentes, regiões distantes do Universo tentando encontrar sinais de rádio que possam revelar a presença de civilizações que também queiram se comunicar. Assim, vivemos um momento muito excitante durante o qual tentamos responder as indagações que fazemos por meio de experimento in loco, algo que há pouco tempo era impensável.

O que se espera com essa temporada é que as ideias aqui contidas sejam suficientemente motivadoras para que o próprio leitor queira também se engajar nessa busca e possa um dia vir a contribuir para a discussão mais primordial que se conhece. Para isso, basta ler e pensar.





Fonte: AB INITIO de Franklin David Rumjanek

domingo, 19 de fevereiro de 2012

NOVA TEMPORADA: DO SURGIMENTO DA VIDA Á EVOLUÇÃO

Depois da última temporada do blog demonstrar a evolução da física até a então mais defendida teoria de tudo, para que entendamos como chegamos à química e o funcionamento do(s) universo(s) que nos cerca. Agora partiremos para uma viagem da passagem da química para a biologia. Vamos tentar entender todos os principais conceitos sobre a origem da vida e a evolução. Não basta entender por que nosso universo existe até o estado astronômico atual. Vamos agora entender os estudos sobre a origem da vida e, diante da natureza, como ela evolui. Esse será o próximo desafio do Ciência Mestre.

NOVA TEMPORADA: DO SURGIMENTO DA VIDA Á EVOLUÇÃO.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O Grande Projeto

Nesta temporada do blog descrevemos como regularidades nos movimentos dos corpos astronômicos – Sol, Lua e os planetas – sugeriram que eles são governados por leis fixas e não sujeito às vontades arbitrárias e aos caprichos de deuses e demônios. Primeiramente, a existência dessas leis foi evidenciada apenas na astronomia (ou astrologia, que se considerava a mesma coisa). O comportamento das coisas na Terra era considerado tão complicado e sujeito a tantas influências que as antigas civilizações eram incapazes de discernir quaisquer padrões claros ou leis regendo esses fenômenos. Gradualmente, contudo, novas leis foram descobertas em outras áreas além da astronomia, o que conduziu à ideia de determinismo científico: deveria haver um conjunto completo de leis que, dado o estado do universo em um instante específico, deveria especificar como o universo se desenvolveria dali em diante. Essas leis deveriam ser válidas em todos os instantes e lugares, ou não seriam leis. Não poderia haver exceções ou milagres. Deuses ou demônios não poderiam intervir nos rumos do universo.

Na época em que primeiro se propôs o determinismo científico, as únicas leis conhecidas eram as leis newtonianas do movimento e da gravitação. Descrevemos como essas leis foram estendidas por Einstein em sua teoria da relatividade geral, e como outras leis foram descobertas, governando outros aspectos do universo.

As leis naturais nos dizem como o universo se comporta, mas elas não respondem às questões colocadas no início desta temporada do blog:

Por que há algo em vez de nada?
Por que existimos?
Por que este conjunto particular de leis e não outro?

Alguns poderiam assegurar que a resposta a essas questões é que há um Deus que escolheu criar o universo desse modo. É razoável se perguntar quem ou o que criou o universo, mas, se a resposta é Deus, então a questão é apenas deslocada para quem ou o que criou Deus. Segundo esse ponto de vista, concebe-se a existência de alguma entidade que não necessita de criador, e essa entidade é chamada de Deus. Esse é o conhecido argumento da primeira causa em favor da existência de Deus. Sustentamos, contudo, que é possível responder a essa questão inteiramente dentro do reino da ciência, sem apelar para quaisquer seres divinos.

De acordo com o realismo dependente do modelo, introduzido no 3º artigo, nossos cérebros interpretam as informações vindas de nossos órgãos sensoriais construindo um modelo do mundo exterior. Formamos conceitos mentais de nossa casa, das árvores, de outras pessoas, da eletricidade que sai das tomadas, dos átomos, das moléculas e de outros universos. Esses conceitos mentais constituem a única realidade que conhecemos. Não há teste da realidade independente de modelo. Daí decorrer que um modelo bem-construído cria sua própria realidade. Um exemplo que pode nos ajudar a refletir sobre as questões da realidade e criação é o Jogo da Vida, criado em 1970 por John Conway, um jovem matemático de Cambridge.

A palavra “jogo” do Jogo da Vida pode gerar mal-entendidos. Não há vencedores e perdedores; na verdade, não há jogadores. O Jogo da Vida não é na realidade um jogo, mas um conjunto de leis que governam um universo bidimensional. É um universo determinístico. Uma vez que se arme a configuração inicial, ou condição inicial, as leis determinam o que acontece no futuro.

O mundo imaginado por Conway é uma matriz quadrada, como um tabuleiro de xadrez, mas estendendo-se infinitamente em todas as direções. Cada quadrado pode ter dois estados: vivo (mostrado a seguir em verde) ou morto (representado em preto). Cada quadrado tem oito vizinhos: em cima, embaixo, à direita, à esquerda e nas quatro diagonais. Nesse mundo, o tempo não é contínuo, mas avança em passos discretos. Dado qualquer arranjo de quadrados vivos e mortos, o número de vizinhos vivos determina o que ocorre a seguir, conforme as seguintes leis:

1. Um quadrado vivo com dois ou três vizinhos vivos sobrevive (sobrevivência)
2. Um quadrado morto com exatamente três vizinhos vivos se torna uma célula viva (nascimento).
3. Em todos os outros casos, uma célula morre ou permanece morta. No caso em que um quadrado vivo tem zero ou somente um vizinho, morre de solidão; se tem mais de três vizinhos, morre por superpopulação.

Tudo que há no Jogo da Vida resume-se assim: dada qualquer condição inicial, essas leis produzem geração após geração. Um quadrado vivo isolado ou dois quadrados adjacentes morrem na próxima geração, porque não têm o número suficiente de vizinhos. Três quadrados vivos ao longo de uma diagonal sobrevivem por um pouco mais de tempo. Depois do primeiro passo temporal, os quadrados nas pontas morrem, deixando apenas o quadrado do meio, que morre na geração seguinte. Qualquer linha diagonal de quadrados “evapora” exatamente dessa maneira. Mas, se três quadrados são dispostos horizontalmente numa fileira, mais uma vez o centro tem dois vizinhos e sobrevive, enquanto os quadrados nas pontas morrem, mas nesse caso as células logo acima e abaixo do quadrado central experimentam um nascimento. A fileira, portanto, transforma-se numa coluna. Da mesma forma, na próxima geração, a coluna volta a ser uma fileira, e assim por diante. Tais configurações oscilantes são denominadas blinkers (“piscantes”).


Blinkers. Blinkers são um tipo simples de objeto composto do Jogo da Vida.


Se três quadrados vivos são dispostos na forma de um L, surge um novo comportamento. Na próxima geração, o quadrado emoldurado pelo L vai nascer, fazendo surgir um bloco 2x2. Esse bloco pertence a uma classe de padrões chamado “vida paada” (still life), porque a ida passa inalterada de geração a geração. Existem muitos tipos de padrões que se transformam nas primeiras gerações, mas que logo se tornam uma vida parada, ou morrem, ou retornam à sua forma original e então repetem o processo.


Evolução para uma vida parada. Alguns objetos compostos do Jogo da Vida evoluem para uma forma que, segundo as regras, nunca mudará.


Há também uma outra classe de padrões, chamados gliders (“deslizantes”), que transformam-se em outras figuras, mas que, após algumas gerações, retornam à sua forma original, mas numa posição deslocada por um quadrado ao longo da diagonal. Se observarmos o seu desenvolvimento no tempo, eles parecem rastejar através do reticulado. Quando os gliders colidem, podem ocorrer comportamentos curiosos, dependendo do formato de cada glider no momento da colisão.


Gliders. Gliders transformam-se em várias figuras intermediárias, mas retornam às suas formas originais, deslocadas por um quadro ao longo da diagonal.


O que torna esse universo interessante é que, embora sua “física” seja simples, a “química” pode ser complicada. Isto é, os objetos compostos existem em diferentes escalas. Na menor escala, a física fundamental diz que há apenas quadrados vivos ou mortos. Numa escala maior, há blinkers, gliders e vidas paradas. Numa escala ainda maior, há objetos ainda mais complexos, como gliders gun (“armas de gliders”): padrões estacionários que periodicamente dão vida a novos gliders que deixam o ninho e escapam ao longo da diagonal.

Se observarmos o universo do Jogo da Vida por um tempo em uma dada escala, poderemos deduzir as leis governando os objetos naquela escala. Por exemplo, na escala de objeto com o tamanho de uns poucos quadrados, teríamos leis como: “blocos nunca se movem”, “gliders deslocam-se diagonalmente”, e várias leis para o que acontece quando dois objetos colidem. Acabaríamos criando toda uma física para qualquer nível de objetos compostos. Tais leis envolveriam entidades e conceitos que não estão presentes nas leis originais. Por exemplo, não há conceitos como “colidir” ou “mover-se” entre as leis originais. Estas descrevem apenas a vida e morte de quadrados individuais estacionários. No Jogo da Vida, assim como no nosso universo, nossa realidade depende do modelo que empregamos.


Configuração inicial de uma glider gun. A glider gun é cerca de dez vezes maior que um glider.


Conway e seus alunos criaram esse mundo porque queriam saber se um universo com regras fundamentais tão simples poderia conter objetos complexos o suficiente para se replicarem. No Jogo da Vida, existem de fato objetos compostos que, meramente seguindo as leis daquele mundo por algumas gerações, poderiam ter proles da sua própria espécie? Não somente Conway e sua equipe demonstraram que isso era possível, como também mostraram que tal objeto seria, de um certo modo, inteligente! O que se entende por isso? Para sermos precisos, demonstraram que as enormes aglomerações de quadrados autorreplicantes são “máquinas de Turing universais”. Para nossos propósitos, isso significa que, para qualquer cálculo que um computador do nosso mundo físico possa em princípio realizar, se essa máquina for alimentada com as informações apropriadas – isto é, suprida com o apropriado ambiente do mundo do Jogo da Vida -, então, depois de algumas gerações, a máquina estará em um estado do qual se pode obter informações que corresponderiam ao resultado do cálculo do computador.


A glider gun após 116 gerações. Com o tempo, a glider gun muda de forma, emite o glider e então retorna ao estado e posição originais. Esse processo é repetido ad infinitum.


Para se ter uma ideia de como isso funciona, consideramos o que acontece quando gliders são disparados contra um simples bloco 2’2. Se os gliders incidirem exatamente do modo certo, o bloco, que estava estacionário, se deslocará ou na direção ou para longe da fonte dos gliders. Desse modo, o bloco pode simular a memória de um computador. De fato, todas as operações lógicas de um computador moderno, como as de conjunção e disjunção, podem ser criadas a partir dos gliders. Assim, do mesmo modo que um computador físico emprega sinais elétricos, correntes de gliders podem ser utilizadas para enviar e processar informações.

No Jogo da Vida, assim como no nosso universo, padrões autorreplicantes são objetos complexos. Uma estimativa, baseada em um trabalho anterior e pioneiro do matemático John Von Neumann, estabelece o tamanho mínimo de uma padrão autorreplicante do Jogo da Vida em dez trilhões de quadrados – aproximadamente o número de moléculas de uma única célula humana.

Pode-se definir os seres vivos como sistemas complexos de tamanho limitado que são estáveis e capazes de se reproduzir. Os objetos descritos acima satisfazem o critério de reprodução, mas provavelmente não são estáveis: uma pequena perturbação exterior poderia provocar um entrave no seu mecanismo delicado. Contudo, é fácil imaginar que leis ligeiramente mais complicadas poderiam permitir sistemas complexos com todos os atributos da vida. Imagine uma entidade desse tipo, um objeto de um mundo como o de Conway. Tal objeto responderia a estímulos ambientais e, desse modo, pareceria tomar decisões. Tal vida seria capaz de perceber sua própria existência? Seria autoconsciente? Essa é uma questão que divide profundamente as opiniões. Alguns defendem que a autoconsciência é uma particularidade dos seres humanos. Isso lhes confere livre-arbítrio, a capacidade de escolher entre diferentes cursos de ação.

Mas como podemos saber se um ser tem livre-arbítrio? Se encontrarmos um alienígena, como vamos saber se é apenas um robô ou se tem uma mente própria? O comportamento de um robô seria completamente determinado, diferentemente daquele de um ser com livre-arbítrio. Assim, poderíamos em princípio identificar um robô como um ser cujas ações podem ser previstas. Como dissemos no 2º artigo, isso pode ser bastante difícil se o ser é grande e complexo. Nós nem sequer podemos resolver exatamente as equações de três ou mais partículas interagindo entre si. Uma vez que um alienígena do tamanho de um ser humano conteria cerca de mil trilhões de trilhões de partículas, mesmo se o alienígena fosse um robô, seria impossível resolver as equações e prever o que ele faria. Portanto, teríamos que dizer que qualquer ser complexo possui livre-arbítrio – não como uma característica fundamental, mas como uma teoria efetiva, um reconhecimento da nossa incapacidade de fazer os cálculos que nos permitiriam prever suas ações.

O exemplo do Jogo da Vida de Conway mostra que mesmo em um conjunto de leis muito simples pode produzir características complexas semelhantes às da vida inteligente. Deve haver muitos conjuntos de leis com essa propriedade. O que seleciona as leis fundamentais (não as leis aparentes) que regem nosso universo? Como no universo de Conway, as leis do nosso universo determinam a evolução do sistema, dado o estado em um instante especificado. No mundo de Conway, nós somos os criadores – escolhemos o estado inicial do universo especificando os objetos e suas posições no início do jogo.

Em um universo físico, as contrapartes de objetos como os gliders do Jogo da Vida são corpos de matéria isolados. Qualquer conjunto de leis que descreva um mundo contínuo como o nosso terá um conceito de energia, que é uma quantidade conservada, ou seja, imutável no tempo. A energia do espaço vazio será uma constante, independente tanto do tempo quanto da posição. Pode-se subtrair essa energia constante do vácuo medindo a energia de qualquer volume do espaço em relação ao mesmo volume de espaço vazio, e assim pode-se muito bem chamá-la de constante zero. Uma exigência que deve ser satisfeita por qualquer lei natural é aquela que impõe que a energia de um corpo isolado circundado por espaço vazio é positiva, o que significa que foi necessário realizar trabalho parar montar o corpo. Isso porque, se a energia de um corpo isolado fosse negativa, ele poderia ter sido criado em um estado de movimento tal que sua energia negativa fosse exatamente balanceada pela energia positiva devida ao seu movimento. Se isso fosse verdadeiro, não haveria razão para que os corpos não pudessem aparecer em toda e qualquer parte. O espaço vazio seria, portanto, instável. Mas, se parar criar um corpo isolado gasta-se energia, tal instabilidade não pode ocorrer, pois, como dissemos, a energia do universo deve permanecer constante. Isso é o necessário para fazer com que o universo seja um local estável – para fazê-lo de tal modo que as coisas não apareçam simplesmente do nada.

Se a energia total do universo deve permanecer nula, e se é necessário energia para criar um corpo, como todo um universo pode ter sido criado no nada? É por esse motivo que deve haver uma lei como a da gravidade. Como a gravidade é atrativa, a energia gravitacional é negativa: é preciso um grande trabalho para separar um sistema gravitacional ligado, tal como a Terra e a Lua. Essa energia negativa pode balancear a energia positiva necessária para criar matéria, mas não é tão simples assim. A energia gravitacional negativa da Terra, por exemplo, é menos do que um bilionésimo da energia positiva das partículas que a compõem. Um corpo como uma estrela terá mais energia gravitacional negativa, e, quanto menor ele for (e mais próximas suas partes estiverem umas das outras), maior será sua energia gravitacional negativa. Mas, antes que ela possa se tornar maior que a energia positiva da matéria, a estrela colapsará num buraco negro, e buracos negros têm energia positiva. É por isso que o espaço vazio é estável. Corpos como estrelas e buracos negros não podem simplesmente aparecer do nada. Mas todo um universo pode.

Visto que a gravidade molda o espaço e o tempo, ela permite que o espaço-tempo seja localmente estável mas globalmente instável. Na escala do universo como um todo, a energia positiva da matéria pode ser balanceada pela energia gravitacional negativa, e assim não há restrição à criação de universos inteiros. Devido ao fato de existir uma lei como a da gravidade, o universo pode e criará a si mesmo do nada do modo descrito no 6º artigo. Criação espontânea é a razão por que há algo em vez de nada, por que existe o universo, por que existimos. Não é necessário invocar Deus para acender o pavio e colocar o universo em movimento.

Por que as leis fundamentais são tal como as descrevemos? A teoria final deve ser consistente e prever resultados finitos para as quantidades que podemos medir. Vimos que deve haver uma lei como a da gravidade e discutimos no 5º artigo que, para uma teoria da gravitação prever quantidades finitas, ela deve incorporar a chamada supersimetria entre as forças da natureza e a matéria nas quais elas agem. A teoria-M é a teoria da gravitação supersimétrica mais geral. Por essas razões, a teoria-M é a única candidata a uma teoria completa do universo. Se este é finito – e isso ainda precisa ser provado -, será um modelo de universo que cria a si mesmo. Devemos fazer parte desse universo porque não há outro modelo consistente.

A teoria-M é a teoria unificada que Einstein ansiava encontrar. O fato de que nós, seres humanos – que somos meras coleções de partículas elementares da natureza -, tenhamos sido capazes de chegar tão perto de uma compreensão das leis que governam nosso universo e a nós mesmos é um grande triunfo. Mas talvez o verdadeiro milagre seja que considerações lógicas abstratas conduzem a uma teoria única que prevê e descreve um vasto universo, repleto da espantosa variedade que vemos. Se a teoria for confirmada pela observação, será a conclusão bem-sucedida de uma busca que remonta a mais de três mil anos. Teremos encontrado o grande projeto.





1º Artigo: O Mistério do Ser
2º Artigo: O Domínio da Lei
3º Artigo: O Que é a Realidade?
5º Artigo: A Teoria de Tudo
6º Artigo: Escolhendo Nosso Universo
7º Artigo: O Aparente Milagre




Referência: Readaptação de The Grand Design de Leonard Mlodinow e Stephen Hawking

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Aparente Milagre

Conta uma tradição chinesa que houve um tempo, durante a época da dinastia Xia (c. 2205-1782 a.C.), em que nosso ambiente cósmico subitamente mudou. Apareceram dez sóis no céu. Os povos da terra sofreram terrivelmente com o calor, e por isso o imperador ordenou que um famoso arqueiro abatesse os sóis extras. O arqueiro foi recompensando com uma pílula que tinha o poder de torná-lo imortal, mas sua esposa a roubou. Por essa ofensa, ela foi exilada na Lua.

Os chineses tinham razão em pensar que um sistema solar com dez sóis não seria amistoso à vida humana. Atualmente sabemos que, embora ofereça grandes oportunidades de bronzeamento, qualquer sistema solar com múltiplos sóis provavelmente nunca permitiria que a vida se desenvolvesse. As razões não são tão simples quanto o calor chamuscante imaginado na lenda chinesa. De fato, um planeta poderia experimentar uma temperatura agradável enquanto orbitasse múltiplos sóis, ao menos por um tempo. Mas o aquecimento uniforme por longos períodos de tempo, uma situação que parece imprescindível para a vida, seria improvável. Para compreender isso, vejamos o que acontece no caso mais simples de um sistema estelar múltiplos, de dois sóis, o chamado sistema binário. Metade de todas as estrelas do céu é membro de sistemas assim. Mas mesmo os sistemas binários simples podem manter apenas certos tipos de órbitas estáveis, como ilustrado abaixo. Em cada órbita dessas, provavelmente haveria um período durante o qual o planeta seria ou quente demais, ou frio demais para sustentar a vida. A situação é ainda pior para sistemas múltiplos.

Órbitas binárias. Planetas orbitando sistemas de estrelas binárias provavelmente terão um clima inóspito, com algumas estações quentes demais para a vida e outras frias demais.


Nosso sistema solar tem outras propriedades “afortunadas”, sem as quais as formas de vida sofisticadas jamais poderiam ter evoluído. Por exemplo, as leis de Newton permitem que as órbitas planetárias sejam círculos ou elipses (uma elipse é um círculo achatado ao longo de uma direção, o eixo menor, e alongado segundo a direção perpendicular, o eixo maior). O grau de achatamento da elipse é descrito pela excentricidade, um número entre zero e um. Uma excentricidade próxima de zero significa que a figura se assemelha a um círculo, enquanto uma excentricidade próxima de um implica uma elipse bem alongada. Kepler ficou transtornado com a ideia de que os planetas não se movem em círculos perfeitos. Mas a órbita terrestre tem uma excentricidade de apenas cerca de dois por cento, e assim aproximadamente circular. Isso acabou sendo um tremendo golpe de sorte.

Excentricidades. A excentricidade é uma medida do quão próxima uma elipse está de um círculo. Órbitas circulares são amistosas à vida, enquanto órbitas muito alongadas resultam em grandes variações sazonais de temperatura.


Os padrões climáticos sazonais da Terra são determinados principalmente pela inclinação do eixo de rotação terrestre em relação ao plano de sua órbita ao redor do Sol. Durante o inverno no hemisfério norte, por exemplo, o polo norte está inclinado para longe do Sol. O fato de que a Terra está mais próxima do Sol nesse momento – apenas 147 milhões de quilômetros, em oposição aos 152 quilômetros do começo de julho – tem um efeito desprezível na temperatura comparada ao efeito de sua inclinação. Mas em planetas com uma maior excentricidade orbital, a distância variável em relação ao Sol desempenha um papel muito mais importante. Mercúrio, por exemplo, com uma excentricidade de vinte por cento, quando está no ponto mais próximo do Sol (periélio) apresenta uma temperatura de mais de 100 graus centígrados acima daquele no ponto mais afastado (afélio). De fato, se a excentricidade da órbita terrestre fosse próxima de um, nossos oceanos ferveriam no periélio e se congelariam quando alcançássemos o afélio, estragando as férias de verão e também as de inverno. Grandes excentricidades orbitais não são propícias à vida, e por isso somos afortunados em ter um planeta com uma excentricidade orbital próxima de zero.

Também temos sorte com a relação entre a massa do nosso sol com a nossa distância dele. Isso porque a massa de uma estrela determina o total de energia que ela emite. As maiores estrelas têm uma massa com cerca de cem massas solares, enquanto as menores são umas cem vezes menos massivas que o Sol. Mesmo assim, dada a distância Terra-Sol, se o nosso sol tivesse apenas vinte por cento mais ou menos massa, a Terra seria mais quente que Vênus, ou mais fria que Marte.

Tradicionalmente, com qualquer estrela, os cientistas definem a zona habitável como uma região estreita em torno da estrela na qual as temperaturas são tais que possa existir água no estado líquido. A zona habitável é às vezes chamada de “zona da Cachinhos Dourados”, porque a condição de que a água esteja no estado líquido, essencial para o desenvolvimento de vida inteligente, exige, como a Cachinhos Dourados, que a temperatura seja a “certa”. A zona habitável no sistema solar, representada a seguir, é diminuta. Felizmente para aqueles de nós que são formas de vida inteligente, a Terra cai dentro dela.

A Zona da Cachinhos Dourados. Se Cachinhos Dourados estivesse experimentando planetas, descobriria que apenas aqueles dentro da zona verde seriam adequados para a vida. A estrela amarela represente nosso próprio Sol. As estrelas mais esbranquiçadas são maiores e mais quentes, as vermelhas, menores e mais frias. Os planetas mais próximos dos seus sóis do que a zona verde são quentes demais para a vida, e os planetas além, frios demais. A extensão da zona habitável é menor para estrelas mais frias.


Newton acreditava que nosso sistema solar estranhamente habitável não havia “surgido do caos pelas meras leis da natureza.” Ao contrário, sustentava que a ordem do universo tinha sido “criada por Deus em primeiro lugar e depois conservada por ele até este dia no mesmo estado e condição”. É fácil compreender por que se pode pensar assim. As muitas ocorrências improváveis que conspiraram para possibilitar a nossa existência, e o projeto do nosso mundo tão amistoso à vida humana seriam realmente enigmáticos se o nosso sistema solar fosse o único habitável no universo. Mas em 1992 veio a primeira observação confirmada de um planeta orbitando outra estrela que não o Sol. Atualmente conhecemos centenas de tais planetas, e não há dúvidas de que há incontáveis outros entre vários bilhões de estrelas do universo. Isso torna as coincidências de nossas condições planetárias – um único sol, a combinação afortunada da distância Terra-Sol e a massa do Sol – muito menos extraordinárias, e menos aceitável a evidência de que a Terra foi cuidadosamente projetada para agradar a nós, seres humanos. Existem todos os tipos de planetas. Alguns – ou pelo menos um – permitem a existência de vida. Obviamente, quando os seres de um planeta que permite a existência de vida examinam o mundo em torno, devem perceber que seu ambiente satisfaz as condições requeridas para que eles existam.

É possível transformar essa última afirmação num princípio científico: nossa própria existência impõe regras determinando de onde e em que momento é possível para nós observarmos o universo. Isto é, a ocorrência do nosso ser restringe as características do tipo de ambiente no qual nos encontramos. Esse princípio é chamado princípio antrópico fraco. (Veremos brevemente o porquê do adjetivo “fraco”.) Um termo melhor que “princípio antrópico” seria “princípio de seleção”, porque o princípio refere-se a como o conhecimento de nossa existência impõe regras que selecionam, entre todos os possíveis ambientes, somente aqueles com as características compatíveis com a vida.

Embora isso possa soar como filosofia, o princípio antrópico fraco pode ser usado para fazer previsões científicas. Por exemplo, qual a idade do universo? Como logo veremos, para existirmos, o universo deve conter elementos como o carbono, que são produzidos cozinhando-se elementos mais leves dentro das estrelas. O carbono deve então ser espalhado pelo espaço através de uma explosão de supernova e, por fim, se condensar como parte de um planeta em um sistema solar de nova geração. Em 1961, o físico Robert Dicke concluiu que o processo leva cerca de dez bilhões de anos, e assim o fato de estarmos aqui implica que o universo deve ter ao menos essa idade. Por outro lado, o universo não pode ser muito mais velho que dez bilhões de anos, já que no futuro todo o combustível para as estrelas terá se esgotado, e necessitamos estrelas quentes para nossa manutenção. Assim, o universo deve ter cerca de dez bilhões de anos de idade. Essa não é uma previsão extremamente precisa, mas é verdadeira – de acordo com dados atuais, o big bang ocorreu há 13,7 bilhões de anos.

Como no caso da idade do universo, previsões antrópicas em geral produzem uma faixa de valores para certos parâmetros físicos em vez de fornecerem um número exato. Isso porque nossa existência, embora não exija um valor particular de um certo parâmetro físico, frequentemente depende de que tais valores não variem muito em relação ao que encontramos para eles. Além disso, esperamos que as condições reais do nosso mundo sejam típicas dentro da faixa antropicamente permitida. Por exemplo, se somente excentricidades orbitais modestas, digamos entre 0 e 0,5, fossem compatíveis com a vida, então uma excentricidade de 0,1 não seria surpreendente, porque uma boa porcentagem de todos os planetas do universo teria órbitas com excentricidades pequenas assim. Mas, se a Terra percorresse um círculo quase perfeito, com excentricidade, digamos, de 0,00000000001, isso faria da Terra um planeta muito especial, e nos motivaria a tentar explicar por que estaríamos vivendo em um lar tão singular. Essa ideia é muitas vezes denominada “princípio da mediocridade”.

As coincidências afortunadas referentes à forma das órbitas planetárias, à massa do sol e assim por diante, são chamadas ambientais, porque surgem do caráter único de nossos arredores e não de um caso feliz das leis fundamentais da natureza. A idade do universo também é um fator ambiental, pois há tempos anteriores e posteriores na história cósmica, mas vivemos nesse tempo porque é a única era que pode conduzir à vida. É fácil de se entender coincidências ambientais, porque o nosso hábitat é apenas um entre vários existentes no universo, e obviamente devemos existir em um habitat que suporte a vida.

O princípio antrópico fraco não é muito controverso. Mas há uma forma mais forte, que defendemos aqui, apesar de ser encarada com desdém por alguns físicos. O princípio antrópico forte sugere que o fato de existirmos impõe restrições não apenas ao nosso ambiente, mas também ás possibilidades de forma e conteúdo das leis naturais. Essa ideia surgiu porque na são somente as características do nosso sistema solar que parecem estranhamente favoráveis ao desenvolvimento da vida humana, mas também as características de todo o universo, o que é muito mais difícil de explicar.

A história de como o universo primordial de hidrogênio, hélio e um pouco de lítio evoluiu para um universo abrigando ao menos um mundo com vida inteligente como nós possui muitos capítulos. Como mencionamos anteriormente, as forças da natureza são tais que os elementos mais pesados – especialmente o carbono – poderiam ser produzidos a partir dos elementos primordiais e permanecerem estáveis por bilhões de anos. Os elementos mais pesados são formados nas fornalhas chamadas estrelas, e assim as forças da natureza teriam primeiro que permitir a formação das estrelas e galáxias. Essas crescem a partir das sementes de minúsculas variações no universo jovem, que era quase completamente uniforme mas que felizmente continha variações de densidade de cerca de uma parte em cem mil. Contudo, a existência das estrelas e, dentro delas, dos elementos dos quais somos feitos não é suficiente. A dinâmica das estrelas tinha que ser tal que algumas por fim explodissem, e mais, explodissem precisamente de tal modo que os elementos mais pesados fossem distribuídos pelo espaço. Além de tudo isso, as leis naturais teriam que impor que esses restos se recondensassem numa nova geração de estrelas, estas por sua vez circundadas por planetas que incorporassem os elementos recém-formados. Do mesmo modo que era imprescindível uma sequência de eventos na Terra para que surgíssemos, também cada elo dessa cadeia cósmica é necessário para nossa existência. Mas, no caso dos eventos provocando a evolução do universo, tal encadeamento é governado pelo balanço das forças fundamentais da natureza, cuja correlação tem que ser exata para que existamos.

Um dos primeiros a reconhecer que isso envolve uma boa dose de acaso foi Fred Hoyle, nos anos 1950. Hoyle acreditava que todos os elementos químicos formaram-se originalmente do hidrogênio, que, para ele, era a verdadeira substância primordial. Hidrogênio é o elemento com núcleo atômico mais simples, consistindo de um próton, isolado ou em combinação com um ou dois nêutrons. (Diferentes formas de hidrogênio, ou de qualquer núcleo, tendo o mesmo número de prótons mas diferentes números de nêutrons são chamados isótopos.) Hoje sabemos que hélio e lítio, átomos cujos núcleos são formados por dois e três prótons, respectivamente, também foram sintetizados primordialmente, em quantidades menores, quando o universo tinha cerca de duzentos segundos de idade. A vida, por outro lado, depende de elementos mais complexos. Destes, o mais importante é o carbono, a base de toda a química orgânica.

Embora se possa imaginar organismos “vivos”, tais como computadores inteligentes, formados por outros elementos como o silício, é duvidoso que a vida possa surgir espontaneamente na ausência de carbono. As razões para isso são técnicas, mas têm a ver com a capacidade única do carbono de formar ligações com outros elementos. Dióxido de carbono, por exemplo, é gasoso à temperatura ambiente e muito útil biologicamente. Como o silício é o elemento diretamente abaixo do carbono na tabela periódica, eles partilham muitas propriedades químicas. O dióxido de silício ou quartzo, contudo, é muito mais útil numa coleção de pedras do que nos pulmões de um organismo. Ainda sim, talvez possam ter evoluído formas de vida que se banqueteiem com silício e agitem suas caudas em lagos de amônia líquida. Mas mesmo esse tipo de vida exótica não poderia ter evoluído apenas dos elementos primordiais, pois estes formam apenas dois compostos estáveis, que são o hidreto de lítio, um sólido cristalino incolor, e o gás hidrogênio, nenhum dos quais é propenso a se reproduzir ou mesmo se apaixonar. Além disso, pesa o fato de que somos formas de vida baseadas no carbono, o que suscita a questão de como o carbono, composto por seis prótons e seis nêutrons, e outros elementos pesados que existem no nosso corpo foram criados.

O primeiro passo ocorre quando estrelas mais velhas começam a acumular hélio, devido à colisão de dois núcleos de hidrogênio que se fundem. Essa fusão gera a energia com a qual nossa estrela (o Sol) nos aquece. Dois átomos de hélio poderiam, por sua vez, colidir para formar um átomo de berílio, cujo núcleo contém quatro prótons. Uma vez que o berílio estivesse formado, ele poderia se fundir com um terceiro núcleo de hélio para formar o carbono. Mas isso não ocorre porque o isótopo de berílio decai quase imediatamente, voltando a ser apenas dois núcleos de hélio.

A situação muda quando uma estrela esgota o hidrogênio em seu núcleo. Nesse momento, a região central colapsa até sua temperatura atingir cerca de cem milhões de graus Kelvin. Sob tais condições, os núcleos colidem mais frequentemente e assim alguns núcleos de berílio colidem com um núcleo de hélio antes de terem a chance de decair. O berílio funde-se com o núcleo de hélio para formar um isótopo de carbono, que é estável. Mas esse carbono ainda está longe de forma os agregados ordenados dos compostos orgânicos do tipo que podem apreciar uma taça de Bordeaux, fazer malabarismos com pinos de boliche flamejantes ou propor questões sobre o universo. Para que seres como os humanos existam, o carbono precisa ser levado do interior da estrela para ambientes mais agradáveis. O que, como dissemos, acontece quando a estrela, no final de seu ciclo de vida, explode como uma supernova, expulsando carbono e outros elementos pesados que se condensam para formar um planeta.


O processo triplo alfa. O carbono é produzido dentro das estrelas pelas colisões de três núcleos de hélio, um evento muito improvável se não fosse por uma propriedade especial das leis da física nuclear.


O processo de criação de carbono é chamado “processo triplo alfa” porque “partícula alfa” é outro nome para o núcleo do isótopo de hélio envolvido, e porque o processo exige que três deles, eventualmente, se fundam entre si. A física habitual prevê uma taxa desprezível de produção de carbono via processo triplo alfa. Essa observação levou Hoyle, em 1952, a prever que a soma das energias de um núcleo de berílio e de um núcleo de hélio deveria ser quase igual à energia de um certo estado quântico do isótopo de carbono formado, uma situação chamada ressonância, o que aumenta bastante a taxa de uma reação nuclear. Naquele tempo não se conhecia tal nível de energia, mas, com base na sugestão de Hoyle, William Fowler, no Caltech, procurou e encontrou o nível de energia proposto por Hoyle, o que representou um grande apoio a seu cenário para a criação de núcleos complexos.

Hoyle escreveu: “Não acredito que nenhum cientista que examinou as evidências deixará de extrair a interferência de que as leis da física nuclear foram deliberadamente projetas em vista das conseqüências que elas produzem no interior das estrelas.” Na época, ninguém tinha conhecimento suficiente da física nuclear para compreender a magnitude do acaso envolvida nessas leis físicas exatas. Mas, durante a investigação da validade do princípio antrópico forte, recentemente os físicos começaram a se perguntar como seria o universo se as leis naturais fossem diferentes. Atualmente, podemos criar simulações computacionais que nos dizem o quanto a taxa do processo triplo alfa depende da intensidade das forças fundamentais da natureza. Tias cálculos mostram que uma mudança tão pequena quanto meio por cento na intensidade da força nuclear forte, ou quatro por cento na da força elétrica, destruiria ou quase todo o carbono, ou quase todo o oxigênio em todas as estrelas e, junto com isso, a possibilidade da vida como a conhecemos. Basta mudar as regras do nosso universo só um pouquinho, e acabam-se as condições para nossa existência!

Ao se examinar os universos-modelo que geramos quando as teorias da física são alteradas de certos modos, pode-se estudar os efeitos das mudanças das leis físicas de uma maneira metódica. Ocorre que não são apenas as intensidades das forças eletromagnética e nuclear forte que são feitas sob medida para nossa existência. A maior parte das constantes fundamentais de nossas teorias parece ter ma sintonia fina, no sentido de que, se fossem alteradas mesmo que de forma modesta, o universo seria significativamente diferente e, em muitos casos, inadequado para o desenvolvimento da vida. Por exemplo, se a outra força, a nuclear fraca, fosse muito mais fraca, no universo primordial todo o hidrogênio do cosmos teria se convertido em hélio, portanto não haveria estrelas normais; mas se fosse muito mias forte, as supernovas não ejetariam sues invólucros externos ao explodirem, e assim não conseguiriam fertilizar o meio interestelar com os elementos pesados exigidos para os planetas promoverem a vida. Se os prótons fossem 0,2 por cento mais pesados, eles decairiam em nêutrons, desestabilizando os átomos. Se as massas dos quarks constituindo um próton fossem alteradas em apenas dez por cento, haveria muito menos núcleos estáveis dos quais somos feitos. De fato, a massa somada dos quarks parece ter sido otimizada para existir o maior número de núcleos estáveis.

Se supusermos que umas poucas centenas de milhões de anos em órbitas estáveis são necessárias para a evolução da vida planetária, o número de dimensões do espaço também é fixado por nossa existência. Isso porque, de acordo com as leis da gravidade, somente com três dimensões espaciais são possíveis órbitas elípticas estáveis. Órbitas circulares são possíveis com outros números de dimensões, mas essas, como Newton temia, são instáveis. Em qualquer universo que não tivesse três dimensões espaciais, mesmo uma pequena perturbação, como aquela produzida pela atração por outros planetas, ejetaria um planeta para fora de sua órbita circular, fazendo-o espiralar para longe ou para dentro do sol, de forma que ou seríamos torrados, ou congelados. Além disso, em mais do que três dimensões, a força gravitacional entre dois corpos decresceria mais rapidamente do que no caso tridimensional. Em três dimensões, a força gravitacional cai a um quarto do seu valor quando a distância é dobrada. Em quatro dimensões, cairia a um oitavo; em cinco, a 1/16, e assim por diante. Como consequência, com mais de três dimensões, o Sol não poderia existir de maneira estável, com sua pressão interna contrabalançando a atração gravitacional. Ou ele desintegraria, ou entraria num colapso e formaria um buraco negro, em ambos os casos acabando com a nossa alegria. Nas escalas atômicas, as forças elétricas se comportariam do mesmo modo que as forças gravitacionais. Ou seja, os elétrons dos átomos ou escapariam dele, ou espiralariam para o núcleo.

A emergência de estruturas complexas, capazes de sustentar observadores inteligentes, parece ser muito frágil. As leis da natureza formam um sistema com extrema sintonia fina, e muito pouco pode ser alterado nas leis físicas sem destruir a possibilidade de desenvolvimento da vida como a conhecemos. Não fosse por uma série de coincidências espantosas dos detalhes precisos das leis físicas, parece que nós, humanos e formas de vida semelhantes, jamais teríamos aparecido.

A coincidência de sintonia fina mais impressionante envolve a chamada constante cosmológica das equações da relatividade geral de Einstein. Como já dissemos, em 1915, quando formulou a teoria, Einstein acreditava que o universo era estático, isto é, nem em expansão, nem em contração. Uma vez que toda matéria atrai a outra, ele introduziu em sua teoria uma nova força antigravidade para combater a tendência do universo de se colapsar sobre si mesmo. Essa força, diferentemente das outras, não provinha de qualquer fonte particular, mas estava embutida no tecido do espaço-tempo. A constante cosmológica descrevia a intensidade dessa força.

Quando se descobriu que o universo não era estático, Einstein eliminou a constante cosmológica de sua teoria e disse que sua inclusão tinha sido a maior gafe da sua vida. Mas, em 1998, observações de supernovas muito distantes revelaram que o universo está expandindo-se numa taxa acelerada, um efeito que somente seria possível se algum tipo de força repulsiva estivesse em ação por todo o espaço. A constante cosmológica foi ressuscitada. Já que agora sabemos que ela não é nula, resta indagar por que ela possui o valor que observamos. Os físicos criaram argumentos explicando como ela poderia ter surgido devido a efeitos mecânicos quânticos, mas o valor calculado tem cerca de 120 ordens de magnitude (1 seguido de 120 zeros), ou seja, é maior do que o valor obtido pelas observações de supernovas. O que quer dizer que ou o raciocínio empregado no cálculo está errado, ou existe algum outro efeito que anule tudo como se por um milagre, exceto uma fração inimaginavelmente pequena do número calculado. É certo que, se o valor da constante cosmológica fosse muito maior do que é, o nosso universo teria explodido muito antes das galáxias serem formadas e – novamente – a vida que conhecemos seria impossível.

O que podemos deduzir dessas coincidências? Sorte na forma e natureza precisas das leis físicas fundamentais é um espécie distinta da sorte encontrada nos fatores ambientais. Não pode ser explicada tão facilmente e tem implicações físicas e filosóficas muito mais profundas. Nosso universo e suas leis parecem seguir um projeto feito sob medida e que, se for para realmente existirmos, deixa pouca margem para alterações. Isso não é simples de explicar e suscita a questão natural de por que é desse modo.

Muitos gostariam que usássemos essas coincidências como uma evidência da ação de Deus. A ideia de que o universo foi planejado para acomodar a humanidade aparece em teologias e mitologias datando de milhares de anos atrás até o presente. Nas narrativas mítico-históricas do Popol Vuh maia, os deuses proclamam: “Não receberemos nem a glória, nem a honra de tudo o que criamos e formamos até eu existam os seres humanos, dotados de consciência.” Um típico texto egípcio de cerca de 2000 a.C. afirma: “Os homens, o gado de Deus, foram bem-assistidos. Ele [o deus-Sol] fez o céu e a terra em seu benefício.” O filósofo taoista chinês Lieh Yü K’ou (c. 400 a.C.) exprimia a mesma ideia numa história, onde um personagem diz: “O céu fez crescer os cinco tipos de grãos, e deu à luz as tribos písceas e emplumadas especialmente em seu benefício.”

Na cultura ocidental, o Velho Testamento avaliza a ideia de destino providencial em sua história da criação, mas o ponto de vista tradicional cristão foi profundamente influenciado por Aristóteles, que acreditava “em um mundo natural inteligente que funciona conforme algum propósito deliberado”. O teólogo cristão medieval Tomás de Aquino empregou as ideias de Aristóteles sobre a ordem da natureza para demonstrar a existência de Deus. No século XVIII, outro teólogo cristão chegou ao ponto de dizer que os coelhos têm rabos brancos para que nos seja mais fácil caçá-los. Devemos ao cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, uma ilustração mais moderna da visão cristã, quando afirmou alguns anos atrás: “Agora, no início do século XXI, confrontada com alegações científicas como o neodarwinismo e a hipótese do multiverso da cosmologia, inventadas para evitar as esmagadoras evidências em favor do propósito e desígnio encontradas na ciência moderna, a Igreja Católica volta a defender a natureza humana, proclamando que o desígnio imanente na natureza é real.” Em cosmologia, a evidência esmagadora em favor do propósito e desígnio, à qual o cardeal se referia, é a sintonia fina das leis naturais descritas acima.

O momento decisivo na rejeição científica do universo antropocêntrico foi o modelo copernicano do sistema solar, no qual a Terra não mais ocupava uma posição central. Ironicamente, a visão de mundo do próprio Copérnico era antropomórfica, como denunciado ao tentar no confortar assinalando que, apesar do seu modelo heliocêntrico, a Terra estava localizada quase no centro do universo: “Embora [a Terra] não esteja no centro do mundo, todavia sua distância [àquele centro] é insignificante quando comparada, em particular, à distância das estrelas fixas.” Com a invenção do telescópio, as observações no século XVII, como o fato de o nosso planeta não ser o único orbitado por uma lua, deram peso ao princípio de que não ocupamos uma posição privilegiada no universo. Nos séculos posteriores, quanto mais se descobria sobre o universo, mais parecia que o nosso planeta provavelmente era apenas uma variedade de planeta-jardim. Mas a recente descoberta de que tantas leis naturais têm uma extrema sintonia fina pode levar ao menos alguns de nós de volta à velha ideia de que este grande projeto é obra de algum grande projetista. Nos Estados Unidos, devido à constituição proibir o ensino religioso nas escolas, esse tipo de ideias é chamado de projeto inteligente, como o entendimento não declarado, mas implícito, de que o projetista é Deus.

Essa não é a reposta da ciência moderna. Vimos no 5º artigo que nosso universo é um entre muitos, cada qual com diferentes leis. O multiverso não é uma noção inventada para explicar o milagre da sintonia fina. É uma consequência da condição sem-contorno, assim como muitas outras teorias da cosmologia moderna. Mas, se isso for verdadeiro, então o princípio antrópico forte pode ser considerado efetivamente equivalente ao fraco, colocando a sintonia fina das leis físicas no mesmo pé que os fatores ambientais, pois isso implica que nosso hábitat cósmico – agora todo o universo observável – é apenas um entre muitos, do mesmo modo que nosso sistema solar é um entre muitos. Portanto, assim como as coincidências ambientais do nosso sistema solar tornam-se pouco notáveis ao se perceber que existem bilhões de tais sistemas, as sintonias finas das leis naturais podem ser explicas pela existência de uma pluralidade de universos. Ao longo dos séculos, muitos atribuíam a Deus a beleza e a complexidade da natureza, que, na sua época, pareciam não ter explicações científicas. Mas, exatamente do mesmo modo que Darwin e Wallace explicaram como o projeto aparentemente miraculoso das formas de vida poderia surgir sem intervenção de um ser supremo, o conceito de multiverso pode explicar a sintonia fina das leis físicas sem a necessidade de um criador benevolente que fez o universo em nosso benefício.

Einstein certa vez colocou ao seu assistente Ernst Straus a questão: “Deus teve alguma escolha quando criou o universo?” No final do século XVI, Kepler estava convencido de que Deus criou o universo de acordo com algum princípio matemático perfeito. Newton demonstrou que as mesmas leis que se aplicam ao céu também se aplica à Terra, e desenvolveu equações matemáticas para exprimir essas leis, equações tão elegantes que geraram um fervor quase religioso entre muitos cientistas do século XVIII, que aparentemente pretendiam usá-las para mostrar que Deus é um matemático.

Desde Newton e, principalmente, desde Einstein, o objetivo da física tem sido descobrir princípios matemáticos simples, do tipo imaginado por Kepler, e com eles criar uma teoria unificada de tudo, dando conta de todos os detalhes da matéria e das forças observadas na natureza. No final do século XIX e início do século XX, Maxwell e Einstein unificaram as teorias da eletricidade, magnetismo e luz. Nos anos 1970, criou-se o modelo padrão, uma teoria única das forças eletromagnética, nuclear fraca e nuclear forte. A teoria das cordas e a teoria-M então surgiram numa tentativa de incluir a força restante, a gravidade. Desejava-se encontrar não apenas uma teoria única que explicasse todas as forças, mas também que deduzisse os números fundamentais aqui mencionados, tais como a intensidade das forças e as massas e cargas das partículas elementares. Como Einstein observou, a esperança era sermos capazes de dizer que “a natureza é de tal modo constituída que é possível estabelecer logicamente leis tão bem-determinadas que dentro delas ocorressem constantes completamente determinadas apenas de forma racional (não constantes, portanto, cujos valores podem ser alterados sem destruir a teoria)”. Seria improvável que uma teoria única apresente a sintonia fina que permite a nossa existência. Mas, se à luz de avanços recentes, interpretarmos o sonho de Einstein como aquele de uma teoria única que explica este e todos os universos, com todo o seu espectro de diferentes leis, então a teoria-M poderia ser a teoria procurada. Mas seria a teoria-M única, ou imposta por algum princípio lógico simples? Será que podemos responder à questão: Por que a teoria-M?



1º Artigo: O Mistério do Ser
2º Artigo: O Domínio da Lei
3º Artigo: O Que é a Realidade?
5º Artigo: A Teoria de Tudo
6º Artigo: Escolhendo Nosso Universo




Referência: Readaptação de The Grand Design de Leonard Mlodinow e Stephen Hawking

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Escolhendo Nosso Universo




O povo bacuba, da África Central, conta que, no princípio, havia apenas escuridão, água e o grande deus Bumba. Um dia, Bumba, em consequência de uma dor de estômago, vomitou o Sol. Então, o Sol secou um pouco da água, e apareceu a terra seca. Mas as dores de Bumba continuavam, e ele vomitou ainda mais. Assim surgiram a Lua, as estrelas, e então alguns animais – o leopardo, o crocodilo, a tartaruga e, finalmente, o homem. Os maias, do México e América Central, também falam de um tempo anterior à criação, quando tudo o que existia era o mar, o céu e o Artífice. Este, infeliz porque ninguém o louvava, criou a terra, as montanhas, as árvores e a maior parte dos animais. Porém, os animais não falavam, e, portanto, decidiu criar os humanos. Primeiramente os fez de lama e terra, mas só falava asneiras. Assim, deixou que se dissolvessem, e recriou a humanidade, desta vez feita de madeira. Mas essas pessoas não eram inteligentes. Assim, decidiu destruir sua obra mais uma vez, mas eles escaparam para a floreta e foram danificados durante a fuga, mudando ligeiramente e tornando-se os macacos de hoje. Após esse fiasco, o Artífice finalmente encontrou uma fórmula que funcionava, e construiu os primeiros humanos com milho branco e amarelo. Atualmente, produzimos etanol do milho, ma até agora ainda não chegamos aos pés do Artífice, que produziu os humanos que o bebem.

Mitos de criação como esses são tentativas de responder à questão feita neste período do blog: por que há um universo, e por que o universo é do jeito que é? Nossa capacidade de lidar com essas questões cresceu continuamente nos séculos desde os gregos antigos, e mais profundamente nos últimos séculos. Armados com os recursos dos artigos anteriores, agora estamos prontos para oferecer uma possível resposta a essas questões.

Algo que a humanidade parece ter reconhecido, mesmo nos primórdios, é que ou o universo foi uma criação muito recente, ou os seres humanos têm existido apenas durante uma fração menor da história cósmica. Isso porque nossa espécie tem aprimorado tão rapidamente seu conhecimento e tecnologia que, se existíssemos há milhões de anos, já teríamos alcançado um grau de domínio sobre os mistérios do universo muito maior que o atual.

Segundo o Velho Testamento, Deus criou Adão e Eva apenas seis dias depois da criação do mundo. O bispo Ussher, primaz de toda a Irlanda de 1625 a 1656, estabeleceu a origem do mundo com uma grande precisão, às nove da manhã do dia 27 de outubro de 4004 a.C. Aqui adotamos um outro ponto de vista: os humanos são uma criação recente, mas o universo começou mais cedo, cerca de 13,7 bilhões de anos atrás.

A primeira evidência científica de que o universo teve um início surgiu nada década de 1920. Como disse no 3º artigo, nessa época a maioria dos cientistas acreditava que o universo era estático e que sempre tinha existido. A evidência contra essa ideia era indireta, baseada nas observações feitas por Edwin Hubble com o telescópio de cem polegadas no monte Wilson, nas colinas acima de Pasadena, Califórnia. Pela análise do espectro de luz emitido por galáxias, Hubble descobriu que essas galáxias se afastavam de nós, e quanto mais distante a galáxia maior a velocidade de recessão. Em 1929, publicou uma lei relacionando a velocidade de recessão à distância das galáxias até nós, e concluiu que o universo estava em expansão. Se isso for verdadeiro, o universo deve ter sido menor no passado. De fato, se extrapolarmos ao passado distante, toda matéria e energia do universo estaria concentrada em uma região diminuta de densidade e temperatura inimagináveis, e, se formos ainda mais longe, haveria o tempo em que tudo começou – o evento que atualmente denominamos big bang.

A ideia de que o universo está em expansão envolve um pouco de sutileza. Por exemplo, não quer dizer que o universo esteja se expandindo do mesmo modo que expandimos uma casa, derrubando uma parede e construindo um banheiro onde antes havia um magnífico carvalho. Em vez de estender o próprio espaço, é a distância entre pontos dentro do universo que está aumentando. Essa ideia emergiu na década de 1930 no meio de muita controvérsia, mas um dos melhores meios de visualizá-la ainda é uma metáfora enunciada em 1931 pelo astrônomo da Universidade de Cambridge, Arthur. Ele disse que o universo pode ser visualizado como a superfície de um balão sendo inflado, e as galáxias como pontos nessa superfície. Essa imagem ilustra claramente por que as galáxias mais distantes afastam-se de nós mais rapidamente. Por exemplo, se o raio do balão dobrar a cada hora, a distância entre duas galáxias do balão também dobrará a cada hora. Se, em algum momento, duas galáxias estiverem a um centímetro uma da outra, uma hora mais tarde estarão separadas por dois centímetros, e parecerá que se movem uma em relação à outra a um centímetro por hora. Mas, se duas galáxias começarem separadas por dois centímetros, uma hora mais tarde estarão separadas por quatro centímetros, e parecerá que se afastam uma da outra a uma velocidade de dois centímetros por hora. É exatamente o que Hubble encontrou: quanto mais distante a galáxia, mais rapidamente ela se afasta.


Universo balão. As galáxias distantes se afastam de nós como se todo o cosmos estivesse na superfície de um balão.


É importante perceber que a expansão do espaço não afeta o tamanho de objetos materiais como galáxias, estrelas, maçãs, átomos ou outros objetos unidos por algum tipo de força. Por exemplo, se circunscrevermos um aglomerado de galáxias no balão, esse círculo não se expandirá junto com o balão. Na verdade, seu tamanho e configuração se mantêm enquanto o balão se expande porque o círculo e galáxias dentro dele são mantidos ligados pela força gravitacional. Esse ponto é importante porque podemos detectar a expansão somente se nossos instrumentos de medida mantêm um tamanho fixo. Se tudo pudesse se expandir, nossas réguas, nosso laboratórios e assim por diante, tudo se expandiria proporcionalmente e não se notaria qualquer diferença.

A expansão do universo foi uma novidade para Einstein. Mas a possibilidade de que as galáxias se afastassem uma das outras havia sido proposta alguns anos antes dos artigos de Hubble, em bases teóricas decorrentes das próprias equações de Einstein. Em 1922, o físico e matemático russo Alexander Friedmann investigou o que aconteceria em um modelo do universo baseado em duas suposições que simplificariam enormemente a matemática: que o universo parecesse idêntico em todas as direções, e que ele aparecesse assim a partir de qualquer ponto de observação. Sabemos que a primeira suposição de Friedmann não é exatamente correta – felizmente o universo não é uniforme em toda parte! Se olharmos para cima numa direção, veremos o Sol, em outra, a lua ou uma colônia de morcegos vampiros migrando. Mas o universo parece aproximadamente o mesmo em todas as direções quando visto numa escala muito maior – maior até mesmo do que a distância entre galáxias. É semelhante a olharmos para uma floresta. Se estivermos próximos o suficiente, podemos distinguir folhas individuais ou, pelo menos, árvores e os espaços entre elas. Mas, se estivermos tão no alto que nosso polegar cubra um quilômetro quadrado de árvores, a floresta parecerá uma extensão uniforme. Poderíamos dizer que, nessa escala, a floresta é uniforme.

Com base nessas suposições, Friedmann foi capaz de achar uma solução às equações de Einstein, na qual o universo se expandia do mesmo modo que Hubble descobriria anos mais tarde. Em particular, o universo no modelo de Friedmann começava com tamanho zero e se expandia até a atração gravitacional desacelerá-lo, até por fim acabar entrando em colapso sobre si mesmo. (Há na verdade outros dois tipos de soluções às equações de Einstein que satisfazem as suposições de Friedmann, uma na qual a expansão de Einstein que satisfazem as suposições de Friedmann, uma na qual a expansão continua para sempre, embora com alguma desaceleração, e outra na qual a expansão decresce lentamente em direção ao zero, porém nunca cessa.) Friedmann morreu alguns anos depois de produzir esse trabalho, e suas ideias permanecerem praticamente ignoradas até a descoberta de Hubble. Mas, em 1927, o professor de física e padre católico George Lamaître propôs uma ideia similar: se retornarmos ao passado da história do universo, ele se torna cada vez mais diminuto até que nos deparamos com um evento de criação – o que hoje chamamos de big bang.

Nem todos gostaram do cenário do big bang. De fato, o próprio termo big bang foi cunhado, com uma conotação pejorativa, em 1949 por Fred Hoyle, que acreditava em um universo que se expandia para sempre. A primeira observação direta apoiando a ideia do big bang somente surgiu em 1965, com a descoberta de um fraco fundo de micro-ondas permeando todo o espaço. Essa radiação cósmica de fundo em micro-ondas, ou CMBR (do inglês Cosmic Microwave Background Radiation), é semelhante à de um forno de micro-ondas, só que muito mais fraca. Podemos observador a CMBR ligando a televisão em um canal não ocupado – uns poucos por cento do chuvisco visto na tela resulta dela. A radiação foi descoberta acidentalmente por dois cientistas da Bell Labs, que tentavam eliminar essa estática da sua antena de micro-ondas. A princípio, pensaram que a estática poderia vir dos dejetos de pombos aninhando-se no instrumento, mas acabaram percebendo que seu problema possuía uma origem muito mais interessante – a CMBR é uma radiação residual do universo primordial muito denso e quente que existiu logo após o big bang. À medida que o universo se expandiu, resfriou-se gradualmente até a radiação tornar-se o fraco remanescente que agora observamos. Atualmente, essas micro-ondas podem aquecer a nossa comida a apenas -270 graus centígrados, não muito úteis para se estourar pipoca.

Os astrônomos também encontraram outros vestígios apoiando o quadro do big bang de um universo primordial quente e minúsculo. Por exemplo, o universo, durante o seu primeiro minuto ou algo assim, teria sido mais quente do que o interior de uma estrela típica. Durante esse período, todo o universo teria agido como um reator nuclear. As reações nucleares teriam cessado quando o universo se expandiu e se resfriou, mas a teoria prevê que teria restado um universo composto principalmente de hidrogênio, mas também com 23 por cento de hélio, e traços de lítio (todos os elementos mais pesados seriam fabricados mais tarde, dentro das estrelas). O cálculo está em bom acordo com os totais observados de hélio, hidrogênio e lítio.

Medidas da abundância de hélio e da CMBR forneceram evidências convincentes em favor do cenário do big bang para o universo muito jovem, mas, embora se possa encarar o big bang como uma descrição válida da história cósmica primitiva, seria incorreto considerar o big bang literalmente, isto é, pensar na teoria de Einstein como fornecendo um quadro real da origem do universo. Isso porque a relatividade geral prevê que haja um ponto no tempo, no qual a temperatura, densidade e curvatura do universo sejam todas infinitas, uma situação chamada pelos matemáticos de singularidade. Para os físicos, nesse ponto a teoria de Einstein sofre uma ruptura e, portanto, não pode ser utilizada para prever como o universo começou, mas somente como ele evoluiu. Assim, embora possamos aplicar as equações da relatividade geral e nossas observações dos céus para conhecermos o universo primitivo, não é correto remontar o quadro do big bang até o começo.

Em breve abordarei o tópico da origem do universo, mas, antes disso, umas poucas palavras sobre a primeira fase da expansão, a chamada inflação. A não ser que você tenha vivido no Zimbábue, onde recentemente a inflação da moeda excedeu 200.000.000 por cento, o termo pode não soar muito explosivo. Mas, mesmo segundo estimativas até conservadoras, durante essa inflação cosmológica o universo expandiu por um fator 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 em 0,00000000000000000000000000000000001 segundo. É como se uma moeda com um centímetro de diâmetro de repente ficasse com dez milhões de vezes o diâmetro da Via Láctea. Tal fato parece violar a relatividade, que impõe que nada se mova com velocidade superior à da luz, mas essa velocidade limite não se aplica à expansão do espaço em si.

A ideia de que tal episódio de inflação possa ter ocorrido foi proposta pela primeira vez em 1980, com base em considerações que vão além da teoria da relatividade geral de Einstein e que levam em conta aspectos da teoria quântica. Como não temos uma teoria quântica completa da gravidade, os detalhes ainda estão sendo trabalhados, e os físicos não têm certeza de como aconteceu a inflação. Mas, segundo a teoria, a expansão causada pela inflação não teria sido completamente uniforme, como prevista pelo cenário tradicional do big bang. Tais irregularidades produziriam minúsculas variações na temperatura da CMBR em diferentes direções. Essas flutuações eram muito pequenas para serem observadas na década de 1960, mas só foram detectadas em 1992, pelo satélite COBE da NASA, e posteriormente medidas pelo seu sucessor, o satélite WMAP, lançado em 2001. Em consequência, agora temos muita confiança de que a inflação realmente ocorreu.

Ironicamente, embora as diminutas variações na CMBR constituam uma evidência da inflação, um razão pela qual ela é um conceito importante é a uniformidade quase perfeita da temperatura da CMBR. Se tornarmos uma parte de qualquer objeto mais quente que os seus arredores, e então aguardarmos, o ponto quente se resfriará e seus arredores se aquecerão até que a temperatura do objeto seja uniforme. Mas esse processo leva tempo, e, se a inflação não tivesse ocorrido, não haveria tempo o suficiente para, durante a história do universo, o fluxo de calor equalizar a temperatura em regiões vastamente separadas, supondo que a velocidade de transferência do calor seja limitada pela velocidade da luz. Um período de expansão muito rápida (muito mais rápida que a velocidade da luz) remedia essa situação porque haveria tempo para ocorrer a equalização no universo jovem pré-inflacionário extremamente diminuto.

A inflação explica o “bang” do big bang, ao menos no sentido de que a expansão que ele representa é muito mais extrema do que aquela prevista pela teoria do big bang tradicional da relatividade geral para o período em que ocorreu a inflação. O problema é que, para os modelos teóricos de inflação funcionarem, o estado inicial do universo tinha que ser arranjado de um modo muito especial e altamente improvável. Assim, a teoria tradicional da inflação resolve uma série de problemas, mas cria um outro – a necessidade de um estado inicial muito específico. Essa questão do tempo zero é eliminada na teoria da criação do universo que descreverei a seguir.

Visto que não podemos descrever a criação empregando a teoria da relatividade geral de Einstein, se quisermos vislumbrar a origem do universo, a relatividade geral deve ser substituída por uma teoria mais completa. A necessidade de uma teoria mais completa persistiria mesmo se a teoria da relatividade geral não sofresse uma quebra, porque esta não leva em conta a estrutura em pequena escala da matéria, que é governada pela teoria quântica. Mencionei no 4º artigo que, na maioria dos propósitos práticos, a teoria quântica não tem muita relevância para o estudo das estruturas de grande escala do universo, porque ela se aplica à descrição na natureza em escalas microscópicas. Mas, se voltarmos o suficiente no tempo, o universo era tão pequeno quanto o comprimento de Planck, um bilionésimo de um trilionésimo de um trilionésimo de centímetro, uma escala na qual a teoria quântica tem que ser levada em conta. Assim, embora não tenhamos uma teoria quântica completa da gravidade, sabemos com certeza que a origem do universo foi um evento quântico. Em consequência, assim como combinamos teoria quântica e relatividade geral, ao menos de um modo provisório, para derivar a teoria da inflação, se quisermos ir ainda além e compreender a origem do universo, devemos combinar o que sabemos da relatividade geral com teoria quântica.


Dobra do espaço. Massa e energia dobram o espaço, alterando as trajetórias dos objetos.


Para ver como isso funciona, precisamos entender o princípio de que a gravidade dobra o espaço e o tempo. A dobra do espaço é mais fácil de visualizar do que a do tempo. Imagine o universo como a superfície de uma mesa de bilhar plana. A superfície da mesa é um espaço plano, ao menos em duas dimensões. Se você jogar uma bola na mesa, ela vai rolar em linha reta. Mas se a mesa tiver depressões ou calombos em alguns locais, como ilustrado na figura acima, a bola fará uma curva.

É fácil ver que a mesa de bilhar sofre uma dobra nesse exemplo porque ela está curvada numa terceira dimensão exterior, que podemos ver. Dado que não podemos sair do nosso espaço-tempo para ver sua dobra, é mais difícil imaginar a dobra do espaço-tempo do nosso universo. Mas a curvatura pode ser detectada mesmo se não pudermos nos afastar e a virmos de perspectiva de um espaço maior. Ela pode ser detectada de dentro do próprio espaço. Imaginemos uma microformiga confinada à superfície da mesa. Mesmo não sendo capaz de abandonar a mesa, ela poderá detectar a dobra por uma cartografia cuidadosa das distâncias. Por exemplo, a distância ao redor de um círculo no espaço plano é sempre um pouco maior do que três vezes o seu diâmetro (ou seja, o número pi). Mas, se a formiga atravessar um círculo que contenha a depressão na mesa, perceberá que a distância atravessada é maior do que a esperada, maior do que um terço da distância ao redor da depressão. De fato, se a depressão for profunda o suficiente, a formiga poderá descobrir que a distância em torno do círculo é mais curta do que a distância através dele. O mesmo ocorre com a dobra do nosso universo – ele estica ou comprime a distância entre os pontos do espaço, mudando sua geometria, ou forma, de um modo mensurável de dentro do próprio universo. A dobra do tempo estica ou comprime intervalos de tempo de um modo análogo.


Dobra do espaço-tempo. Massa e energia dobram o espaço-tempo e fazem com que a dimensão do tempo se “misture” às dimensões espaciais.


Com auxílio dessas ideias, vamos retornar à questão do início do universo. Podemos falar separadamente do espaço e do tempo, como fizemos na discussão acima, em situações envolvendo velocidades baixas e gravidade fraca. Em geral, contudo, tempo e espaço podem tornar-se entrelaçados, e assim sua distensão e compressão também envolvem um certo grau de mistura. Essa mistura é importante no universo primordial e é a chave para se compreender o início do tempo.

A questão do início do tempo é um pouco como a da borda do mundo. Quando as pessoas acreditavam que o mundo era plano, poderiam se perguntar se o mar não se derramaria de sua borda. Isso foi testado experimentalmente: podemos dar a volta ao mundo sem despencarmos. O problema da borda foi resolvido quando se percebeu que o mundo não era uma placa plana, mas uma superfície curva. O tempo, contudo, parece ser como uma típica linha de trem. Se ele teve um início, teria que haver alguém (isto é, Deus) para colocar o trem em movimento. Embora a teoria da relatividade geral de Einstein unificasse tempo e espaço no espaço-tempo e envolvesse uma certa mistura dos dois, o tempo ainda era diferente do espaço; então, ou tinha um início e um fim, ou prosseguia para sempre. Contudo, ao adicionarmos os efeitos da teoria quântica à teoria da relatividade, em casos extremos pode ocorrer uma dobra tão exagerada que o tempo se comporta como outra dimensão espacial.

No universo primordial – quando o universo era pequeno o suficiente para ser governado tanto pela relatividade geral quanto pela teoria quântica – havia efetivamente quatro dimensões espaciais e nenhuma temporal. Isso significa que, quando falamos do “início” do universo, estamos contornando a questão sutil de que, ao olharmos para trás, para um universo muito, muito jovem, o tempo como o conhecemos não existe! Devemos aceitar que nossas concepções habituais de espaço e tempo não se aplicam ao universo extremamente jovem. Isso pode estar além da nossa experiência, mas não da nossa imaginação ou da nossa matemática. Se no universo primordial todas as quatro dimensões se comportam como o espaço, o que acontece com o início do tempo?

A percepção de que o tempo pode se comportar como outra dimensão do espaço implica que podemos nos livrar do problema do início do tempo, de um modo semelhante a como nos livramos do problema da borda do mundo. Suponha o início do universo como o pólo sul da Terra, com os graus de latitude desempenhando o papel do tempo. Movendo-se rumo ao norte, os círculos de latitude, representando o tamanho do universo, expandem-se. O universo começaria como um ponto no polo sul, mas o polo sul é um ponto como outro qualquer. Perguntar o que acontecia antes do início do universo se tornaria uma questão sem sentido, porque não há nada ao sul do polo sul. Nesse cenário, o espaço-tempo não tem contorno – as mesmas leis aplicam-se ao polo sul assim como a outros lugares. De um modo análogo, quando se combina a teoria da relatividade geral com a teoria quântica, a questão do que acontecia antes do início do universo perde o sentido. A ideia de que histórias poderiam ser superfícies fechadas sem contorno é a chamada condição sem-contorno.

Ao longo dos séculos, muitos pensadores, incluindo Aristóteles, acreditaram que o universo deveria ter sempre existido, evitando a questão de como ele surgiu. Outros acreditavam que o universo teve um início, e usavam isso como um argumento para a existência de Deus. A percepção de que o tempo comporta-se como o espaço apresenta uma nova alternativa. Ela remove a antiga objeção ao universo ter um início, mas também implica que a origem do universo foi governada por leis científicas, em vez de ser a obra de algum deus.

Se a origem do universo foi um vento quântico, ela deveria ser descrita acuradamente pela soma sobre as histórias de Feynman. Contudo, aplicar a teoria quântica a todo o universo – onde os observadores são parte do sistema observado – é algo delicado. No 4º artigo, vimos como partículas lançadas contra uma tela com duas fendas podem exibir padrões de interferência como os das ondas na água. Feynman mostrou que isso ocorre porque uma partícula não tem uma história única. Ou seja, quando ela se move de um ponto inicial A para um ponto final B, não segue uma trajetória definida, mas antes toma simultaneamente todos os caminhos conectando os dois pontos. Desse ponto de vista, o padrão de interferência não é uma surpresa, porque, por exemplo, a partícula pode atravessar ambas as fendas ao mesmo tempo e interferir nela própria. Aplicado ao movimento de uma partícula, o método de Feynman impõe que, para calcular a probabilidade de um ponto final específico, deve-se considerar todas as possíveis histórias que a partícula poderia seguir desde seu ponto de partida até o ponto final. Pode-se também usar o método de Feynman para calcular as probabilidades quânticas de observações do universo. Se for aplicado ao universo como um todo, não existem em ponto A, e assim somamos todas as histórias que satisfazem à condição sem-contorno e terminam no universo como observado atualmente.

Dentro desse quadro, o universo apareceu espontaneamente, começando de todo modo possível. A maior parte desses modos corresponde a outros universos. Enquanto alguns universos são parecidos com o nosso, a maioria é inteiramente diferente. Eles não são diferentes em apenas alguns detalhes, tais como se Elvis realmente morreu jovem ou se nabos serviriam como sobremesa, mas antes diferem mesmo em suas aparentes leis naturais. De fato, existem muitos universos com muitos conjuntos de leis físicas. Alguns fazem um grande mistério com essa ideia, às vezes denominada conceito do multiverso, mas são apenas expressões distintas da soma sobre as histórias de Feynman.


Multiverso. Flutuações quânticas levam à criação de minúsculos universos a partir do nada. Uns poucos desses atingem um tamanho crítico, e então se expandem de um modo inflacionário, formando galáxias, estrelas, e, ao menos em um caso, seres como nós.


Para ilustrar esse ponto, vamos alterar a analogia do balão de Eddington e imaginar o universo em expansão como a superfície de uma bolha. Nosso quadro da criação quântica espontânea do universo é um ouço como a formação de bolhas de vapor em água fervente. Muitas bolhas minúsculas aparecem e então desaparecem. Essas seriam como miniuniversos que se expandem, mas entram em colapso enquanto ainda têm um tamanho microscópico. Representam possíveis universos alternativos, mas não geram muito interesse porque não duram o suficiente para desenvolver galáxias e estrelas, e muito menos vida inteligente. Umas poucas bolhinhas, contudo, crescem o suficiente para evitar o colapso. Elas continuarão a se expandir numa taxa cada vez maior e formarão as bolhas de vapor que podemos ver. Essas correspondem aos universos que passaram a se expandir numa taxa cada vez maior – em outras palavras, a universos num estado de inflação.


O fundo de micro-ondas. Essa imagem do céu foi criada com sete anos de dados do WMAP, no release de 2010. Revela flutuações de temperatura – exibidas como diferenças de cor – datando de 13,7 bilhões de anos atrás. As flutuações representadas correspondem a diferenças de temperatura de menos de um milésimo de grau centígrado. Mesmo assim, elas são as sementes das quais cresceram as galáxias.


Como dissemos, a expansão causada pela inflação não pode ser completamente uniforme. Na soma sobre as histórias, há somente uma história completamente uniforme e regular, e é a que tem a probabilidade mais alta, mas há muitas outras histórias que são apenas ligeiramente irregulares e têm probabilidades quase tão altas. É por isso que a inflação prevê que o universo primordial é ligeiramente não uniforme, correspondendo às pequenas variações de temperatura observadas no CMBR. As irregularidades no universo primordial são afortunadas para nós. Por quê? Homogeneidade é uma coisa boa se não queremos a nata nadado sobre o leite, mas um universo uniforme seria muito tedioso. As irregularidades do universo primordial são importantes porque, se algumas regiões tivessem uma densidade ligeiramente mais alta do que outras, a atração gravitacional da densidade extra desaceleraria sua expansão em relação aos arredores. Como a força gravitacional lentamente agrega a matéria, esta poderá acabar entrando em colapso para formar galáxias e estrelas, depois levando à formação de planetas e, ao menos em um caso, de gente. Então, olhe com carinho o mapa do céu em micro-ondas. É o projeto de toda a estrutura do universo. Somos produtos de flutuações quânticas do universo primordial. Se você for religioso, poderá dizer que Deus realmente joga dados.

Essa ideia levou a uma concepção do universo profundamente distinta da tradicional, exigindo que ajustemos o modo como pensamos sobre a história do universo. Para fazer previsões em cosmologia, precisamos calcular as probabilidades de diferentes estados de todo o universo no tempo presente. Em física, normalmente supõe-se algum estado inicial para um sistema, que se faz evoluir no tempo, empregando as equações matemáticas relevantes. Dado o estado do sistema em um certo tempo, tenta-se calcular a probabilidade de que o sistema esteja em algum estado diferente mais tarde. A suposição habitual em cosmologia é que o universo tenha uma única história definida. Pode-se então usar as leis da física para calcular como essa história se desenvolve no tempo. Essa é a chamada abordagem bottom-up (de baixo para cima) em cosmologia. Mas, já que devemos considerar a natureza quântica do universo como expressa pela soma sobre as histórias de Feynman, a amplitude de probabilidade de que o universo esteja agora num estado particular é obtida pela adição das contribuições de todas as histórias que satisfazem a condição sem-contorno e terminam no estado em questão. Em outras palavras, em cosmologia não se poderia seguir a história do universo de baixo para cima, porque então se suporia que há uma única história, com um ponto de partida e uma evolução bem-definidas. Em vez disso, podemos retraçar a história do universo de cima para baixo (top-down), ou seja, ir para atrás partindo do tempo presente. Algumas histórias serão mais prováveis que outras, e a soma normalmente será dominada por uma única história, que começa com a criação do universo e culmina no estado sob consideração. Mas haverá diferentes histórias para diferentes estados possíveis do universo no tempo presente. Isso tudo leva a uma visão radicalmente diferente da cosmologia e da relação causa-efeito. As histórias que contribuem à soma de Feynman não têm existência independente, mas dependem do que está sendo medido. Criamos a história pela nossa observação, em vez de a história nos criar.

A ideia de que o universo não tem uma história única independente do observador pode parecer estar em conflito com alguns fatos que conhecemos. Pode haver uma história na qual a Lua é feita de queijo roquefort. Mas observamos que a Lua não é feita de queijo. Má notícia para os ratos. Desse modo, histórias nas quais a Lua é feita de queijo não contribuem ao estado presente do nosso universo, embora possam contribuir a outros. Pode parecer ficção científica, mas não é.

Uma importante implicação da abordagem top-down é que as leis aparentes da natureza dependem da história do universo. Muitos cientistas acreditam que haja uma única teoria que explique tanto essas leis quanto as constantes físicas da natureza, tais como a massa do elétron ou a dimensionalidade do espaço-tempo. Mas a cosmologia top-down impõe que as leis aparentes do universo sejam diferentes para diferentes histórias.

Considere a dimensão aparente do universo. Segundo a teoria-M, o espaço-tempo tem dez dimensões espaciais e uma temporal. A ideia é que sete dimensões espaciais estão tão enroladas que nem as notamos, deixando-nos com a ilusão de que tudo o que existe são as três dimensões extensas restantes, familiares a nós. Uma das questões centrais da teoria-M em aberto é: por que, em nosso universo, não há mais dimensões extensas, e por que há dimensões enroladas?

Muitos gostariam de acreditar que haja algum mecanismo que faça com que todas as dimensões espaciais exceto três se enrolem espontaneamente. Ou, talvez todas as dimensões tenham começado enroladas, e, por alguma razão compreensível, três dimensões se estenderam, mas não o restante. Parece, contudo, que não há nenhuma razão dinâmica para que o universo pareça quadrimensional. Em vez disso, a teoria top-down prevê que o número de dimensões espaciais extensas não é fixado por nenhum princípio físico. Haverá uma amplitude de probabilidade quântica para cada número de dimensões espaciais extensas de zero a dez. A soma de Feynman admite todas elas, para toda história possível do universo, mas a observação de que nosso universo tem três dimensões espaciais extensas seleciona a subclasse de histórias que têm a propriedade observada. Em outras palavras, a probabilidade quântica de que o universo tenha mais ou menos três dimensões é irrelevante porque já determinamos que estamos em um universo com três dimensões espaciais extensas. Assim, enquanto a amplitude de probabilidade para três dimensões espaciais extensas não for exatamente zero, não importa quão pequena ela seja em comparação com a amplitude de probabilidade para outros números de dimensões. Seria como perguntar qual a amplitude de probabilidade para que o atual papa seja chinês. Sabemos que ele é alemão, ainda que a probabilidade de que ele seja chinês seja maior porque há mais chineses do que alemães. Similarmente, sabemos que nosso universo exibe três dimensões espaciais extensas, e mesmo que outros números de dimensões espaciais extensas possam ter uma maior amplitude de probabilidade, estamos interessados apenas em histórias com três.

E as dimensões enroladas? Lembre-se de que, na teoria-M, o formato preciso das restantes dimensões enroladas, o espaço interno, determina tanto os valores das quantidades físicas, tais como a carga do elétron, quanto a natureza das interações entre partículas elementares, isto é, as forças da natureza. Tudo teria funcionado muito bem se a teoria-M admitisse apenas uma forma para as dimensões enroladas, ou talvez umas poucas, com todas exceto uma podendo ser excluídas de algum modo, deixando-nos somente com uma possibilidade para as leis naturais aparentes. Em vez disso, há amplitudes de probabilidade para talvez tanto quanto 10500 diferentes espaços internos, cada um resultando em diferentes leis e valores das constantes físicas.

Se a história do universo for construída de baixo para cima (bottom-up), não há razão pela qual o universo deva acabar com o espaço interno para as interações entre partículas que observamos de fato, o modelo padrão (das interações entre partículas elementares). Mas na abordagem top-down, aceita-se que o universo exista com todos os possíveis estados internos. Em alguns universos, os elétrons podem ter o peso de bolas de golfe e a força da gravidade pode ser mais forte do que a do magnetismo. No nosso, aplica-se o modelo padrão, com todos os seus parâmetros. Pode-se calcular a amplitude de probabilidade para o espaço interno que conduz ao modelo padrão com base na condição sem-contorno. Como é o caso da probabilidade de haver um universo com três dimensões espaciais extensas, não importa quão pequena essa amplitude seja em relação a outras possibilidades porque já observamos que o modelo padrão é o que descreve nosso universo.

A teoria que descrevemos neste artigo é testável. Nos exemplos anteriores enfatizamos que as amplitudes de probabilidade relativas de universos radicalmente diferentes não importam, assim como aqueles com um número diferente de dimensões espaciais extensas. As amplitudes de probabilidade relativas de universos vizinhos (isto é, similares), contudo, são importantes. A condição sem-contorno implica que a amplitude de probabilidade é mais alta para histórias nas quais o universo começa completamente uniforme. A amplitude é reduzida para universos que são mais irregulares, o que implica que o universo primordial deve ter sido quase uniforme, com pequenas irregularidades. Como já assinalamos, podemos observar essas irregularidades como pequenas variações nas micro-ondas provenientes de várias direções do céu. Descobriu-se que elas concordam com as linhas gerais do modelo inflacionário; contudo, necessitamos medidas mais precisas para diferenciar totalmente a teoria top-down de outras, e para apoiá-la ou refutá-la. Essas observações podem bem ser conduzidas com satélites no futuro.

Centenas de anos atrás, pensava-se que a Terra era única, situada no centro do universo. Atualmente, sabemos que há centenas de bilhões de estrelas em nossa galáxia, uma grande porcentagem delas com planetas, e centenas de bilhões de galáxias. Os resultados descritos neste artigo indicam que nosso universo é também um entre muitos, e que suas leis aparentes não são determinadas de modo único. Isso pode desapontar aqueles que ansiavam por uma teoria final, uma teoria de tudo, que preveria a natureza da física do dia a dia. Não podemos prever características discretas como o número de dimensões espaciais extensas ou o espaço interno que determinas quantidades físicas que observamos (isto é, a massa e a carga do elétron e de outras partículas elementares). Em vez disso, usamos esses números para selecionar quais histórias contribuem à soma de Feynman.

Parece que estamos num ponto crítico da história da ciência, no qual devemos modificar nossa concepção dos objetivos e do que torna uma teoria física aceitável. Aparentemente, nem números fundamentais ou sequer a forma das leis aparentes da natureza são determinados pela lógica ou por um princípio físico. Os parâmetros podem admitir tantos valores, e as leis físicas tantas formas compatíveis com uma teoria matemática autoconsistente, que outros valores e outras formas realmente são admitidos em outros universos. Isso pode não satisfazer nosso desejo humano de sermos especiais ou descobrirmos um belo pacote que contenha todas as leis da física, mas esse parece ser o jeito da natureza.

Parece haver uma vasta paisagem de possíveis universos. Contudo, como veremos no próximo artigo, universos nos quais vida como a nossa possa existir são raros. Vivemos em um universo onde a vida é possível, mas se ele fosse apenas ligeiramente diferente, seres como nós não poderiam existir. O que podemos deduzir dessa sintonia fina? Seria a evidência de um universo cujo projeto devemos a um criador benevolente? Ou a ciência oferece outra explicação?


1º Artigo: O Mistério do Ser
2º Artigo: O Domínio da Lei
3º Artigo: O Que é a Realidade?
5º Artigo: A Teoria de Tudo




Referência: Readaptação de The Grand Design de Leonard Mlodinow e Stephen Hawking